Vários caminhos levam a Compostela.
E em uma jornada que combina a disciplina do esporte com a profundidade de uma busca espiritual, o mesatenista e técnico Fábio Lopes, o Cenoura, compartilha suas experiências no Caminho de Santiago, uma peregrinação que vai além do simples ato de caminhar. Aos 53 anos, ele decidiu enfrentar o desafio físico e mental desse percurso milenar, buscando respostas e autoconhecimento.
Nesta entrevista ao jornalista Mauricio Ribeiro, Fábio reflete sobre as semelhanças entre o esforço exigido por um atleta e a resistência necessária para completar a caminhada, revelando como as lições adquiridas ao longo de quilômetros percorridos por trilhas históricas impactaram sua vida profissional e pessoal.
Conteúdo exclusivo para a coluna PiraCult, na Folha de Piracicaba.
Mauricio Ribeiro: Fábio, o Caminho de Santiago é conhecido tanto como um desafio físico quanto como uma jornada espiritual. Como você, sendo mesatenista e técnico, percebe as semelhanças entre a disciplina exigida no esporte e a resistência necessária para completar o Caminho?
Fábio Lopes: Sim, o Caminho de Santiago requer uma disciplina mental e física para você completar suas etapas, assim como no esporte, em que você se prepara todos os dias visando uma competição, né? E no Caminho de Santiago você vai se preparando, traça a sua próxima cidade, escolhe quantos quilômetros vai caminhar e o que quer começar, se quer começar mais cedo, porque vai fazer uma caminhada com mais quilômetros e isso vai exigir mais tempo. Então, a preparação para a caminhada tem muita semelhança com os treinamentos que passamos para os atletas, né? A organização que você faz para realizar uma etapa é muito semelhante ao nosso dia a dia de treinos, visando a preparação para uma competição.
Mauricio Ribeiro: O que te despertou a se tornar um peregrino?
Fábio Lopes: O que me despertou para ser peregrino, para fazer o Caminho de Santiago, foi um desafio tanto mental quanto físico. Eu queria descobrir algumas respostas para perguntas que eu tinha na vida, o conhecimento do caminho e também um autoconhecimento, porque o Caminho te dá essa possibilidade de refletir sobre a vida, pensar no que você faz, no que pode melhorar ou se já está bom do jeito que está. Como pessoa, você pode avaliar se tem algo a melhorar. É um momento de grande reflexão. Aos 53 anos de vida, achei que era o momento certo de realizar o Caminho de Santiago, algo que sempre me fascinou desde que li Paulo Coelho. Aquela ideia de caminhar por bosques e lugares medievais sempre me atraiu. E é uma aventura, porque cada dia você está num lugar diferente, dorme em lugares diferentes, passa por castelos medievais, pontes romanas, caminhos milenares que levam as pessoas a Santiago. O Caminho tem muita energia, e isso desperta a paixão de ser peregrino. No meu caso, me despertou essa paixão de melhorar em todos os aspectos da vida. A peregrinação me deu essa oportunidade de pensar muito na vida e tentar fazer as coisas de forma melhor.
Mauricio Ribeiro: A prática do tênis de mesa exige concentração e foco, assim como o Caminho exige uma concentração interna, muitas vezes ligada à fé e à meditação. De que maneira você acha que essas duas formas de concentração – uma esportiva e outra espiritual – se complementam na sua vida?
Fábio Lopes: A vida esportiva me deu concentração para realizar os treinamentos, participar das competições e ajudar os atletas a se desenvolverem dentro da modalidade. Como atleta, também precisei de muita disciplina, concentração e foco para evoluir. Depois, como professor, usei isso nos meus treinamentos e passei para os atletas. A peregrinação, por sua vez, tem um aspecto espiritual, em que você reflete sobre a vida, sobre como pode melhorar como ser humano, professor, pai, pessoa. Ao voltar, sinto-me fortalecido, capaz de analisar melhor as situações e tomar decisões mais acertadas, tanto na vida profissional quanto pessoal. A peregrinação me deu essa parte espiritual, sabendo que sempre podemos trabalhar melhor em nós mesmos, nos tornando seres humanos melhores em todos os aspectos.
Mauricio Ribeiro: No esporte, o objetivo de uma partida é claro e palpável, assim como a chegada em Santiago é o destino final do peregrino. Mas ambos os caminhos, esportivo e espiritual, possuem momentos em que o foco no processo é tão importante quanto a meta final. Quais ensinamentos você traz do Caminho de Santiago que podem ser aplicados na preparação mental de um atleta?
Fábio Lopes: O que aprendi no Caminho de Santiago e que pode ser aplicado na preparação mental de um atleta é que precisamos desfrutar cada
momento. Cada etapa do Caminho deve ser apreciada, pois a jornada é algo novo a cada dia, com pessoas e lugares diferentes. O mesmo vale para o atleta: ele precisa aproveitar o treinamento, mesmo que seja exaustivo e exija disciplina. O que tento passar para os meus atletas é isso: apesar do cansaço e das dificuldades, o treinamento precisa ser algo prazeroso. Só assim eles conseguirão evoluir e ter bons resultados. Não adianta se estressar ou exigir demais do corpo e da mente sem prazer. O equilíbrio entre esforço e prazer é fundamental para o desempenho.
Mauricio Ribeiro: Você já percorreu diferentes rotas do Caminho de Santiago. Quais as principais diferenças e singularidades entre elas?
Fábio Lopes: Sim, fiz alguns Caminhos de Santiago. Consegui realizar quatro: o Caminho Francês, o Caminho Primitivo, o Caminho Inglês e o Caminho de Finisterra e Muxia. São caminhos maravilhosos, que despertam conhecimento e curiosidade. O Caminho Primitivo, por exemplo, tem muitas horas de caminhada em montanhas e florestas, proporcionando muito contato com a natureza. Já o Caminho Francês passa por cidades medievais, monastérios e castelos templários. Cada rota oferece uma experiência diferente. Em alguns, como o Caminho Primitivo e o Inglês, você caminha mais sozinho, sem tanta gente. O Caminho Francês, sendo o mais tradicional, é mais movimentado. Mas, independentemente do caminho, sempre há algo novo para descobrir. Mesmo que seja a mesma rota, as circunstâncias mudam: um ano pode estar chuvoso, no outro ensolarado, e você encontrará pessoas diferentes. O Caminho de Santiago é sempre especial e eu recomendo a todos que tiverem a oportunidade de fazê-lo.
Mauricio Ribeiro: Durante o Caminho, os peregrinos muitas vezes enfrentam momentos de introspecção e superação de limites pessoais. Quais foram os momentos mais marcantes de sua jornada no Caminho que você acredita ter transformado não apenas sua vida espiritual, mas também sua mentalidade como atleta e técnico?
Fábio Lopes: O Caminho de Santiago traz muitos momentos marcantes. No ano passado, fiz meu primeiro caminho, e a chegada ao ponto de partida, na França, foi algo muito especial. Atravessar os Pirineus, por exemplo, foi uma etapa de 28 quilômetros, com 25 de subida e depois 7 de descida, que exigiu muito de mim, tanto física quanto mentalmente. Outro momento marcante foi chegar à Cruz de Ferro, onde você deposita uma pedrinha que carrega desde o início da caminhada, simbolizando suas intenções e dificuldades. Deixar a pedra lá foi um momento muito forte para mim. Mas a chegada a Santiago é mágica, é a consagração da peregrinação, tanto física quanto mentalmente. Esses momentos me ensinaram que, assim como no esporte, é preciso paciência e dedicação para superar os desafios. Tento passar isso para os meus atletas: que a superação física e mental é essencial para alcançar bons resultados, mesmo que não se chegue a ser campeão. O importante é se esforçar ao máximo e evoluir.
Mauricio Ribeiro: O tênis de mesa é um esporte de precisão e paciência, e o Caminho de Santiago exige essas mesmas qualidades para lidar com o cansaço e as longas distâncias. Como você enxerga a influência dessa vivência espiritual no Caminho sobre seu estilo de liderança e treino, tanto no aprimoramento técnico quanto no desenvolvimento humano de seus atletas?
Fábio Lopes: A vivência no Caminho de Santiago me trouxe aprendizados que tento passar para os meus atletas, buscando melhorar não apenas o desempenho técnico e físico, mas também o desenvolvimento humano. No esporte, assim como no Caminho, é importante trabalhar em equipe. Nem todos os atletas serão campeões, mas todos têm seu valor dentro da equipe. Alguns trazem bons resultados, outros podem não ter o mesmo desempenho, mas contribuem de outras formas, seja incentivando os colegas ou ajudando nos treinos. Ninguém é campeão sozinho, e essa experiência de equipe é fundamental para os bons resultados. Tento passar isso para os meus atletas: que todos têm seu papel e que o crescimento como ser humano é tão importante quanto as conquistas no esporte.