Pesquisa inédita publicada na revista Arquivos Brasileiros de Cardiologia, investigou os efeitos do exercício extremo no coração. Os resultados surpreendem: mesmo sob esforço contínuo e intenso, a função cardíaca de Hugo permaneceu preservada, sem sinais de arritmias ou alterações inflamatórias
O ultramaratonista Hugo Farias entrou para o Guinness World Records ao completar um feito inédito: correr 366 maratonas em 366 dias consecutivos.
Mais do que uma conquista esportiva extraordinária, o desafio serviu como base para um estudo científico liderado pela equipe do Instituto do Coração (InCor) HCFMUSP que monitorou, de forma inédita, o impacto de um volume extremo de exercício contínuo sobre o sistema cardiovascular humano.
A pesquisa, que acaba de ser publicada na revista científica Arquivos Brasileiros de Cardiologia — principal periódico da especialidade na América Latina e de repercussão internacional —, une ciência e superação humana em uma narrativa inédita na cardiologia esportiva. Com o objetivo de investigar as possíveis adaptações cardiovasculares provocadas por esse esforço prolongado, uma equipe multidisciplinar acompanhou o atleta ao longo de um ano. O protocolo incluiu avaliações clínicas periódicas, exames laboratoriais, testes cardiopulmonares de esforço, ecocardiogramas e análise da composição corporal.
Durante a primeira avaliação, o atleta mostrou estar em ótima forma, sem doenças cardíacas ou comorbidades prévias. Ele tinha excelente capacidade cardiorrespiratória, pressão arterial normal, e todos os exames de sangue estavam normais. Ao longo de um ano, mesmo correndo a distância de uma maratona (42,195 km) todos os dias, seus exames continuaram estáveis, sem sinais de problemas no coração ou no metabolismo.
“O funcionamento do coração também está bom: a parte do coração que bombeia o sangue (o ventrículo esquerdo) está funcionando normalmente, com uma fração de ejeção do ventrículo esquerdo de 62%, o que é considerado saudável. Não foram encontradas arritmias perigosas (batimentos cardíacos irregulares graves), e os exames de sangue que poderiam indicar algum problema no coração — como a troponina e a proteína C reativa — estão com resultados normais”, explica o pesquisador Francis Ribeiro de Souza, do Centro de Avaliação CardioMetabólica da Comissão Científica do InCor.
Segundo ele, os dados sugerem que o sistema cardiovascular humano pode se adaptar de forma eficiente a volumes extremos de exercício aeróbico diário, desde que com intensidade moderada e com acompanhamento adequado.
Além de entrar para a história do esporte mundial, o caso representa um marco na medicina esportiva, destacando o potencial de adaptação do corpo humano a desafios antes considerados fora dos limites fisiológicos.
“O acompanhamento cardiovascular do ultramaratonista reforça uma mensagem fundamental: a prática regular de atividade física, quando bem acompanhada, é segura e tem um impacto direto na melhora da saúde vascular e é uma aliada poderosa na prevenção de doenças. Promover o exercício é também uma forma de reduzir a sobrecarga sobre o sistema público de saúde.”, conclui o Prof. Dr. Roberto Kalil Filho, presidente do InCor e diretor da Divisão de Cardiologia Clínica.
Feito histórico
O estudo foi realizado entre 28 de agosto de 2022 e 28 de agosto de 2023 e ao todo, Hugo percorreu 15.443 km durante o Projeto Propósito, distância equivalente a uma viagem de Americana, no interior de São Paulo, até a Sibéria, no extremo do continente asiático. Durante o desafio, ele consumiu mais de 2 milhões de calorias, o equivalente a cerca de 8.000 pratos de feijoada ou a energia necessária para abastecer uma casa por quase um ano.
Para suportar o impacto diário das corridas, utilizou 27 pares de tênis, o suficiente para calçar um time inteiro de futebol por quase três temporadas. Além disso, acumulou um ganho altimétrico de mais de 122.950 metros — o que representa cerca de 14 vezes a altitude do Monte Everest ou quase 400 vezes a altura do Pão de Açúcar.
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