Mais de 90% dos pacientes diagnosticados nas Américas estão no Brasil – tema está no Congresso Brasileiro de Hansenologia esta semana em Salvador
22.773 novos doentes de hanseníase foram diagnosticados no Brasil em 2023, segundo dados do último boletim epidemiológico da Organização Mundial da Saúde (OMS), um aumento de 4% em comparação com 2022. Lembrando que, apesar de ser um dos países que mais diagnosticam a doença, a Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH) vem denunciando a autoridades brasileiras e estrangeiras que o país sofre de uma endemia oculta de hanseníase – milhares de casos sem diagnóstico e tratamento, o que é comprovado pelo alto percentual de diagnósticos tardios, registrados em pacientes com sequelas incapacitantes e irreversíveis. Apesar do aumento, o Brasil ainda não consegue diagnosticar casos novos no ritmo pré-pandemia de Covid19, que chegou a cerca de 30 mil casos/ano.
A situação nos países do BRICS+ não é diferente. Por isso, a SBH debaterá o tema “Hanseníase nos países que compõem os BRICS+” no 18º Congresso Brasileiro de Hansenologia, maior evento das Américas sobre o tema, de 5 a 8/1, em Salvador-BA.
Segundo a OMS, a Índia, primeiro lugar no ranking mundial de casos, registrou 107.851 novos casos, um aumento de 15% em comparação com o ano anterior, e a China, 315 novos diagnósticos, com um aumento de 4%.
Doença neural
A hanseníase é uma doença neural, o bacilo transmissor afeta os nervos, causando inflamação. A ação do bacilo é lenta – pode levar de 5 a 10 anos até que a doença se instale. O paciente pode sentir formigamentos, dores pelo corpo e, com nervos inflamados, pode ter alterações na sensibilidade da pele.
Com o tempo, perde força para segurar objetos. Podem surgir na pele manchas esbranquiçadas ou avermelhadas com perda de pelos e de sensibilidade. Os sintomas podem se confundir com inúmeras enfermidades, mas o exame é clínico e um dos testes ainda muito usado e efetivo é a ausência de suor nas manchas.
“O especialista avalia o conjunto de sinais e sintomas e pode pedir exames complementares, como o ultrassom de nervos periféricos. Muitos doentes são diagnosticados com artrite, artrose, trombose, diabetes, alergia, micose e até infarto por causa das dores nos nervos. É comum a pessoa passar anos por vários serviços de saúde com vários diagnósticos, enquanto a doença avança sem tratamento”, explica Marco Andrey Cipriani Frade, dermatologista e hansenólogo, presidente da SBH, professor titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP.
Na Bahia, mais de 70% dos casos novos têm a forma mais grave da doença
A escolha de Salvador para a realização da edição 2024 do Congresso Brasileiro de Hansenologia se deu pelo cenário da doença na região. O Boletim Epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, de janeiro/2024, coloca o estado em 11º lugar no ranking nacional de detecção de casos novos – foram 1.691 diagnósticos em 2022, data do último levantamento, sendo 74,5% (1.260) com a forma mais grave da doença.
A SBH alerta para a urgência de ações para diagnóstico precoce. A taxa de cura no estado foi de 71,2%, considerada precária – hanseníase tem tratamento gratuito e pode ser curada com um coquetel de antibióticos, a poliquimioterapia fornecida pelo SUS.
A doença exige avaliação de contatos que podem ter sido contaminados pelos pacientes diagnosticados. Na Bahia, apenas 63% dos contatos próximos dos pacientes foram avaliados, taxa também considerada precária. O rastreio e tratamento dos comunicantes é a estratégia para controlar a transmissão e evitar sequelas. A situação na Bahia é apenas um exemplo do cenário da hanseníase em todo o Brasil.
Mitos
Há muitos mitos a respeito da doença, que é citada em papiros antiquíssimos e provocava medo na população. A ciência avançou em pesquisa, tratamento, cura e protocolos de enfrentamento à doença, mas o preconceito persiste, levando a perda de trabalho, afastamento de crianças da escola, afastamento de pessoas do convívio social e familiar. Por isso, a SBH esclarece:
- A hanseníase não pode ser erradicada e sim controlada porque não é possível impedir a existência do bacilo.
- A estratégia de controle é aumentar diagnósticos de casos novos porque há uma endemia oculta de hanseníase no país – enquanto não forem tratados, os doentes seguem transmitindo o bacilo.
- Em tratamento, o paciente deixa de transmitir a doença.
- O paciente em tratamento pode trabalhar, frequentar a escola e frequentar lugares públicos. O isolamento obrigatório em antigas colônias foi feito no Brasil até os anos de 1970 quanto não havia tratamento.
- Os editais para contratação de pessoal não podem excluir pessoas em tratamento ou já tratadas por hanseníase.
- A transmissão de pessoa doente para pessoa sem hanseníase é lenta e se dá por convívio próximo e duradouro – muitas vezes no núcleo familiar ou contatos muito próximos. As pessoas podem ter contato com indivíduos portadores do bacilo e nem por isso desenvolvem a doença.
- 90% da população mundial têm defesa natural contra o bacilo, mas não é possível identificar quem está imune.
Hanseníase não é uma doença de periferias e populações pobres. Esse grupo de pessoas pode ser mais afetado pelas condições socioeconômicas, como dividir pequenos cômodos com muitas pessoas, dificuldade de acesso à saúde, educação para saúde, alimentação, condições sanitárias, mas a doença é comumente diagnosticada em todas as camadas sociais.
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