Como os avanços médicos e experiências de vida têm transformado o envelhecimento, promovendo inclusão e autonomia para a população
Até os anos 1940, a expectativa de vida das pessoas com síndrome de Down variava entre 9 e 12 anos de idade. Já nos anos 1990, essas pessoas podiam viver até os 35 anos. Hoje, elas já ultrapassam os 60 anos, de acordo com um artigo publicado no European Journal of Public Health.
Por um lado, o motivo para o avanço da longevidade dessa parcela da população se dá pela evolução da medicina em geral – mesmo motivo pelo qual as pessoas sem a condição também têm vivido mais em comparação aos anos 1940. Por outro lado, a conscientização sobre a síndrome e a inclusão das pessoas com Down na sociedade têm tido um papel muito importante na evolução da sua saúde.
“A luta para que ocupem espaços comuns da sociedade, como ambientes corporativos e espaços de lazer, tem mostrado para todos que pessoas com síndrome de Down podem desenvolver autonomia para aprimorar suas habilidades. Assim eles têm cada vez mais vontade de viver, o que influencia na busca por um estilo de vida saudável”, diz Marcelo Altona, médico do Grupo Médico Assistencial do Hospital Israelita Albert Einstein (GMA – HIAE), que trabalha no estudo da longevidade com qualidade de vida das pessoas com deficiência e é parceiro do Instituto Serendipidade, entidade que apoia e acolhe pessoas com síndrome de Down e outras deficiências intelectuais e suas famílias.
Pessoas com síndrome de Down são mais propensas a terem doenças cardíacas, intestinais e de visão, por exemplo. Característica que ajuda a explicar a expectativa de vida dessa parcela da população ser reduzida em relação à sociedade em geral. “Até a década de 1970, o fator que mais impactava a longevidade das crianças com síndrome de Down eram as cardiopatias congênitas, porque os médicos não tinham coragem de operá-las, já que o risco de mortalidade era altíssimo. Mas novas gerações de profissionais preferiram arriscar, vendo que, se essas crianças não fossem operadas, poderiam morrer do mesmo jeito”, diz o médico. Ao mesmo tempo, as técnicas cirúrgicas também avançaram, corrigindo alterações no coração dos pacientes.
A presença de pessoas da terceira idade com síndrome de Down na sociedade é um fenômeno recente. Assim, é compreensível que a ciência e a medicina ainda não tenham comprovações de que doenças típicas da maturidade sejam mais comuns neles. Altona explica que é frequentemente especulado que determinados tipos de cânceres seriam mais comuns nesses indivíduos. “Na verdade, não temos certeza disso. Tumores malignos estão mais associados à idade madura, por isso, no passado, não tínhamos como obter respostas”.
Algumas situações em que é preciso ficar atento incluem a audição: entre as características físicas do Down, está um conduto auditivo menor, que acumula mais cera e eventualmente rende complicações de ouvido ao longo dos anos. Já os músculos costumam ter menos tônus e existe a frouxidão dos ligamentos. Isso favorece osteoporose, sarcopenia – a perda de massa muscular – e quedas. Portanto, adaptar a casa para evitar acidentes, entre outras medidas preventivas, é uma ação indicada.
“De modo geral a pessoa com síndrome de Down envelhece mais rápido. Apresenta aos 40 anos problemas que os outros manifestam só depois dos 50 ou 60 anos. Por isso, os cuidados para preveni-los ou adiá-los devem começar cedo”, avisa Altona.
Incentivo à autonomia ao longo da vida
O Instituto Serendipidade conta com uma parceria com a Associação para Profissionalização e Integração do Excepcional (APOIE), que tem o propósito de desenvolver a independência e a autonomia do adulto com deficiência intelectual, e com a inclusão baseada em atividades laborais, com oficinas de trabalho. Essas pessoas recebem o acompanhamento do médico Marcelo Altona, o que promove a manutenção desse envelhecimento saudável. São 60 adultos e idosos com síndrome de Down e outras deficiências intelectuais que recebem atendimento gratuito.
Uma delas é a Maria Elisa, de 37 anos, que trabalha na APOIE com a confecção de objetos de papelaria. Seu dia a dia na associação inclui a refeição oferecida pela APOIE, o trabalho nas oficinas e atividades físicas. “Eu pratico karatê, natação e atletismo. Também tenho consultas com a pedagoga e com o médico, doutor Altona. A convivência aqui me traz acolhimento. Sinto prazer fazendo essas atividades e trabalhando aqui todos os dias”, diz a aprendiz.
Isabel Bacicurinski tem 51 anos e sua ocupação na entidade é a fabricação de bijuterias, como pulseiras e colares. A aprendiz tem aulas de dança, sessões de fisioterapia, além de consultas com doutor Altona.
“Seguindo um movimento natural que vemos na sociedade, de inversão da pirâmide etária, há um envelhecimento e aumento da expectativa de vida das pessoas com síndrome de Down. E não falamos só delas, mas também do envelhecimento de toda a família e como poderão dar auxílio a esse adulto com Down que está envelhecendo”, diz Sonia Monken, coordenadora de projetos sociais do APOIE.
A gerente do Instituto Serendipidade, Débora Goldzveig, também fundadora do Projeto Irmãos, fala sobre a importância de envolver cada vez mais esses familiares: “A preocupação com o futuro é latente entre os irmãos de pessoas com deficiência. O Projeto Irmãos acolhe esse público, com uma escuta ativa e sem julgamentos, incentivando o estreitamento das redes de apoio para dar suporte à geração mais nova que acaba virando naturalmente, os cuidadores. Isso acontece também com primos e até amigos próximos. Por isso é importante que haja o convívio inclusivo desde a infância, suavizando essa passagem de responsabilidades”.
O Programa de Envelhecimento do instituto lança um olhar holístico sobre a saúde dos pacientes, promovendo bons hábitos de alimentação, incentivando atividades físicas, e fazendo o monitoramento preventivo de doenças crônicas em decorrência do envelhecimento precoce. Os protocolos ainda incluem qualificação e capacitação profissional, bem como emprego apoiado.
A orientação médica e multidisciplinar também envolve os familiares. Os aprendizes participam de oficinas manuais que estimulam o desenvolvimento cognitivo, movimentos físicos e habilidades sociais.
“Na APOIE eles estão como aprendizes em um processo de inclusão com olhar na profissionalização deles – algo que, de alguma forma, não conseguimos encontrar na sociedade. E também estamos atentos a mudanças que vão acontecer na saúde deles nesse processo de envelhecimento, como os familiares têm que estar preparados para isso. É muito importante fazer esse link entre a família e a pessoa que está aqui no dia a dia trabalhando”, diz Altona.
O acompanhamento frequente com o médico geriatra visa apoiar essas pessoas na transição da adolescência para a idade adulta e, depois, na transição do adulto para o idoso. “Não é preciso ser um expert, basta estudar um pouco a síndrome de Down e estar disposto a garantir bem-estar às pessoas com a condição e suas famílias”, sugere o especialista.