Marilu Trevisan
Em um mundo onde o cotidiano, por vezes, se perde na pressa e na distração, Marilu Trevisan transforma o simples em extraordinário.
Sua exposição Matrizes do Cotidiano, aberta na sexta-feira, 11 de outubro, na Pinacoteca Municipal Miguel Dutra, no Engenho Central, convida o público a enxergar a beleza oculta nas pequenas cenas da vida interiorana. Com a xilogravura como a artéria de sua criação, Marilu explora múltiplas linguagens artísticas — da cerâmica à colagem, do papel machê à isogravura — tecendo uma obra que pulsa inquietação e descoberta.
Piracicaba, com suas raízes, suas redes lançadas ao Rio e suas paisagens carregadas de memória, é uma inspiração constante para a artista. “O simples é lindo”, reflete Marilu, ao explicar como o cotidiano da cidade alimenta seu processo criativo. E, se por um lado a vida local molda sua obra, as influências internacionais — colhidas em viagens aos Estados Unidos e à Europa — lapidam sua técnica, revelando a fusão de experiências e aprendizados que transformam cada detalhe de suas gravuras em uma expressão única de democratização cultural. Kako Braga, um dos curadores da mostra, define a artista como “o Elias dos Bonecos de saia”, comparando ao artista que é referência em arte naïf na cidade.
Marilu compartilha sua jornada, marcada pela incessante busca por novas formas de se expressar e pelo desejo de tornar a arte acessível a todos. Uma entrevista especial, concedida ao jornalista Mauricio Ribeiro, com exclusividade para a coluna PiraCult, na Folha de Piracicaba; com a colaboração de Bernardo França, assessor da artista.
Mauricio Ribeiro: Marilu, a xilogravura ocupa um lugar central na sua exposição. O que a levou a escolher essa técnica como uma forma de expressão tão marcante em sua trajetória artística?
Marilu Trevisan: Na verdade, eu não escolhi a xilogravura, a xilogravura me escolheu. Parece clichê dizer isso, mas, enquanto aluna, fui premiada no Salão de Belas Artes com a gravura “Menino Brasileiro” e, desde então, me encontrei nessa técnica. Nada me emociona mais do que ver a primeira prova, ou mancha, podemos dizer assim, quando sai da prensa.
Mauricio Ribeiro: Suas obras, além da xilogravura, exploram colagem, cerâmica, papel machê e outras técnicas. Como você decide qual técnica utilizar em cada peça, e como essas diferentes linguagens se complementam na exposição?
Marilu Trevisan: Sempre fui uma mulher inquieta, sempre busquei me descobrir, e não apenas como mulher, mas também como artista. Essas outras técnicas que utilizo, como colagem, cerâmica, papel machê, isogravura, entre tantas outras, fazem parte de quem eu sou. É como um coração, onde há várias veias. A minha artéria é a xilogravura. As outras, por menores que sejam, complementam o meu coração.
Mauricio Ribeiro: A exposição se chama “Matrizes do Cotidiano“, o que sugere uma conexão forte com a vida diária e a cultura popular. Como o cotidiano de Piracicaba e a cultura interiorana influenciam seu processo criativo?
Marilu Trevisan: Eu amo Piracicaba. Apesar de ser uma cidade em ascensão, ainda temos pequenos privilégios da vida interiorana. Nada mais lindo do que ver um pescador jogando sua rede ou vara para pescar. A beleza está em tudo, em cada detalhe do dia a dia, que, na correria, passa despercebido. Eu observo. Isso me inspira. Isso me faz criar. O simples é lindo.
Mauricio Ribeiro: Você teve uma experiência internacional significativa nos Estados Unidos e na Europa. Como essas vivências influenciaram seu olhar sobre a arte e sua abordagem à gravura ao retornar ao Brasil?
Marilu Trevisan: Na minha viagem aos Estados Unidos, fiz um curso rápido de gravura, no qual aprendi pequenas técnicas que eu não conhecia. Na Europa, descobri grandes artistas e vi obras que me inspiraram, além de muitas gravuras. Tudo isso, misturado ao que eu já fazia, ao que eu já criava, melhorou a minha técnica. Aprender nunca é demais.
Mauricio Ribeiro: A xilogravura é descrita como uma “ferramenta estética e política” na sua mostra. De que maneira você enxerga a arte, especialmente a gravura, como um meio de democratização cultural?
Marilu Trevisan: A arte, infelizmente, no Brasil, ainda é muito elitizada. Eu queria que as pessoas compreendessem que a arte é para todos, independente de classe social, e a xilogravura possibilita isso. Por ser uma única matriz e gerar várias cópias, o custo da obra se torna mais acessível, permitindo que mais pessoas tenham acesso a um trabalho no qual o artista se dedicou tanto para concluir e se inspirar.
Mauricio Ribeiro: A curadoria de Allan Yzumizawa e Kako Braga tem um papel importante na organização da exposição. Como foi o processo colaborativo entre você e a equipe curatorial na criação desta mostra?
Marilu Trevisan: O processo colaborativo entre nós foi muito fácil e leve. Tenho uma longa história com o Kaco Braga, para quem fiz a ilustração do convite de casamento com sua esposa Nathália. Adoro o Kaco, ele é sempre bem-humorado, positivo e me anima. Já o Allan, apesar de sua juventude, é extremamente profissional, talentoso e decidido, o que me trouxe segurança. A leveza do Kaco me trouxe alegria e esperança de que a exposição seria um sucesso, e o Allan me proporcionou profissionalismo e a certza de que estávamos no caminho certo na curadoria das peças.
Mauricio Ribeiro: Você começou sua trajetória na Faculdade de Belas Artes de São Paulo, mas suas raízes estão fortemente ligadas à cidade de Piracicaba. Como você vê o desenvolvimento artístico local e o papel da cidade na sua identidade como artista?
Marilu Trevisan: Quando comecei minha carreira artística, havia poucos artistas na cidade. Hoje, o cenário é diferente; há muitos, e isso é lindo de ver. A arte se expandiu em Piracicaba, novos artistas surgiram, alguns emergentes, outros se reinventaram, e a cidade me abraçou desde o momento em que voltei. Isso sempre foi muito importante para mim. Só tenho a agradecer a Piracicaba, aos meus amigos, às pessoas que conheci, a todos que me deram a oportunidade de expor, criar, falar e ser ouvida. Agradeço à cidade e a todos os piracicabanos. Muito obrigada.