Setembro é o mês nacional de conscientização da doença; especialista tira as principais dúvidas sobre o assunto
Em janeiro de 2022, o retinoblastoma, doença rara que acomete os olhos, ganhou destaque após o apresentador Tiago Leifert e a esposa Diana Gabin divulgarem o diagnóstico da filha Lua, ajudando para que outras famílias ficassem atentas aos sintomas e também tivessem a oportunidade de um diagnóstico precoce. Assim nasceu a campanha “De olho nos olhinhos”, e o mês de setembro se tornou nacionalmente dedicado à conscientização e incentivo ao diagnóstico precoce da patologia. Oftalmologista e especialista em oncologia ocular, Hermano de Assis Filho, do Vera Cruz Hospital, em Campinas (SP), explica que o retinoblastoma é o tumor maligno mais comum na infância e a sua evolução e chances de cura dependem muito do diagnóstico precoce e da condução correta do caso.
Para alertar profissionais de saúde envolvidos no cuidado infantil e também mães, pais, responsáveis, professores e cuidadores, ele explica cada uma das dúvidas mais comuns que surgem no consultório relacionadas à doença.
1 – O que é o retinoblastoma?
É um tumor maligno intraocular, originado da retina e que, atualmente, tem incidência de 200 a 300 novos casos por ano no Brasil. Representa 14% de todos os cânceres pediátricos em menores de dois anos. É uma doença rara, que ocorre pela inativação das duas cópias do gene RB1 – um gene supressor de tumor, que regula o crescimento normal das células. Quando esses genes perdem sua função, ocorre proliferação descontrolada de células retinianas.
2 – Quais são as causas do retinoblastoma?
Dos casos diagnosticados, 60% ocorrem de forma espontânea (mutação somática) e acometem apenas um olho e uma região da retina ocular (unifocal). Os outros 40% correspondem à forma hereditária (mutação germinativa) e podem atacar os dois olhos e ter múltiplos focos no mesmo olho.
3 – Em que fase da vida pode ser detectado?
A doença não tem “predileção” por sexo, cor de pele ou etnia. O retinoblastoma proveniente de mutação somática é diagnosticado em idades mais avançadas, por volta de dois a três anos. Na forma hereditária, o diagnóstico ocorre geralmente no primeiro ano de vida.
4 – Como suspeitar?
Ainda na maternidade, é possível fazer o teste do olhinho e também fazer o acompanhamento nas consultas ao pediatra, realizando o Teste do Reflexo Vermelho (TRV). Caso seja observada alguma alteração no exame, a criança é encaminhada ao oftalmologista para realizar o exame de fundo de olho, que é o exame de rastreio. Além disso, idealmente, recomendamos que toda criança seja atendida por um oftalmopediatra durante o primeiro de vida, mesmo que o exame da maternidade seja normal. No entanto, pais, professores e cuidadores também podem observar, por exemplo, a posição do olhar da criança, o modo como ela usa a visão, interage com pessoas e objetos e, diante de qualquer alteração suspeita, levar a criança para avaliação médica o mais rápido possível”.
5 – Quais são os principais sinais e sintomas?
O sinal mais característico é a leucocoria, quando a luz refletida pelo olho doente apresenta coloração esbranquiçada. O segundo sinal mais comum é o desvio do olho para fora ou para dentro (estrabismo). Além disso, olho vermelho e dolorido, alteração do tamanho ou do aspecto da região ao redor dos olhos são sinais que podem ser observados. O retinoblastoma também pode causar diminuição da ingestão alimentar e mudanças no comportamento da criança sem causa explicável.
6 – Por que o diagnóstico precoce é tão importante?
O retinoblastoma pode ser debilitante e potencialmente fatal. Em países com dificuldade de acesso médico (países de baixa renda), a taxa de mortalidade pode chegar a 50% ou 70%. Em países desenvolvidos, com o diagnóstico precoce e o acesso rápido a tratamentos adequados, 99% dos pacientes são curados.
7 – Como é feito o diagnóstico?
O exame de fundo de olho é indicado para rastreamento em crianças sem sintomas. Para o diagnóstico, além do exame minucioso do fundo de olho, sob anestesia, é importante a Ressonância Nuclear Magnética (RMN) de crânio e órbitas, avaliar a extensão do retinoblastoma e o comprometimento com outras estruturas. O teste genético não é usado no diagnóstico da doença, mas tem papel importante para identificar casos específicos, como diferenciação entre as formas hereditárias menos comuns e auxiliar no aconselhamento genético dos pacientes e familiares.
8 – Como é feito o tratamento?
O tratamento envolve equipe multidisciplinar experiente e estrutura hospitalar preparada. Uma série de informações são necessárias para guiar o tratamento que deve ser individualizado, tendo a possibilidade de se utilizar várias modalidades terapêuticas para um mesmo paciente. A idade do paciente, comprometimento ocular, presença ou não de invasões e/ou metástases são fatores importantes na tomada de decisão. Os tratamentos locais, como crioterapia, laser sobre o tumor e radioterapia localizada (braquiterapia), são utilizados para tumores selecionados. A retirada do globo ocular (enucleação), em alguns casos, pode ser necessária. Além da quimioterapia sistêmica (endovenosa), também tem sido cada vez mais utilizadas técnicas como aplicação de medicação no espaço intravítreo e diretamente no interior da artéria oftálmica.
9 – Há cura? O paciente deve manter acompanhamento médico ao longo da vida?
Quanto mais cedo o diagnóstico for feito e o tratamento iniciado, maiores serão as chances de cura. Quando é reconhecido precocemente, a chance de curar a doença pode chegar a mais de 90%. Os pacientes com tumores hereditários, têm risco aumentado para o aparecimento de outras neoplasias e precisam manter vigilância contínua com acompanhamento oncológico ao longo da vida. Em casos não-hereditários, com tumor restrito ao olho, as reincidências são mais raras; no entanto, é indispensável o acompanhamento habitual como de qualquer outra pessoa.
10 – Com tratamento e orientações corretos, o paciente consegue ter uma vida satisfatória ou pode haver algum tipo de sequela?
É importante salientar que a mortalidade e as sequelas do retinoblastoma estão relacionadas ao acesso deficitário à saúde. Em locais onde a criança tenha sido tratada corretamente e precocemente, a cegueira total é incomum. Para as crianças com necessidade de enucleação (retirada do globo ocular) é possível a confecção de prótese ocular após a cicatrização da região, permitindo a reabilitação estética. Com entendimento atual sobre a doença e seus métodos de tratamento direcionados, o retinoblastoma tornou-se um dos cânceres pediátricos com maior taxa de cura, salvando vidas, preservando a visão e permitindo uma vida sem dificuldades.
Campanha o ano todo
“A campanha de conscientização é realizada em setembro, mas o cuidado deve ser contínuo. Familiares e profissionais de saúde pediátricos devem estar atentos, ajudando no diagnóstico inicial, viabilizando o tratamento e, consequentemente, a cura”, conclui Assis Filho.
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