Texto: Gabriela Cupani
Pandemia e o tempo maior diante das telas acentuou tendência; genética e estilo de vida estão por trás do problema
A pandemia aumentou a incidência de miopia no mundo e a tendência não foi revertida após o fim do período de confinamento. O dado, que vem sendo observado por especialistas, acaba de ser reforçado por um estudo feito em Hong Kong, um dos poucos a comparar o desenvolvimento do problema antes e depois da crise sanitária de Covid-19.
Pesquisadores chineses analisaram dados de mais de 20 mil crianças, com idades entre 6 e 8 anos, em três períodos distintos: antes da pandemia da Covid-19, de 2015 a 2019; durante os períodos de confinamento em 2020; e após o fim das restrições, em 2021. Além dos exames oftalmológicos, foram consideradas informações sobre estilo de vida, tempo ao ar livre e horas de exposição às telas.
Após um período de estabilidade na primeira avaliação, a incidência de miopia aumentou em 28,8% em 2020 e 36,2% em 2021. O tempo dedicado a atividades ao ar livre foi menor em 2020, como era esperado, mas permaneceu baixo em 2021. Apenas o tempo de uso de dispositivos eletrônicos apresentou uma pequena reversão, ou seja, houve uma redução no tempo de exposição às telas após o fim do ensino à distância. Os resultados indicam que, após o período de lockdown, a prevalência de miopia foi maior do que antes da pandemia, entretanto, o estilo de vida não retornou aos níveis pré-Covid.
Fatores genéticos e ambientais
A miopia ocorre por fatores genéticos, que não podem ser modificados, e ambientais, que podem ser controlados, explica Ian Curi, membro titular do conselho fiscal da Sociedade Brasileira de Oftalmologia, chefe dos setores de Estrabismo e Oftalmologia Pediátrica do Hospital Federal dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Filhos de pais ou mães míopes têm três vezes mais risco de desenvolver o problema. Se os dois forem portadores, o risco para a criança é seis vezes maior.
Estudos mostram que o uso excessivo da visão de perto, com aparelhos eletrônicos portáteis como tablets e celulares, favorece o aparecimento da miopia. Por outro lado, ficar pelo menos duas horas por dia exposto à claridade natural do dia parece ter um efeito protetor.
“Sabe-se que mudanças no estilo de vida moderno e os avanços tecnológicos têm intensificado a participação do fator ambiental na ocorrência de miopia nas crianças e nos adolescentes”, diz Curi. “Certamente o confinamento e o aumento do uso de dispositivos eletrônicos para lazer ou aulas contribuíram significativamente para o aumento da miopia nos jovens.”
Tendência mundial
O aumento da incidência de miopia tem sido observado em todo o mundo nas últimas décadas, sendo mais pronunciado em países asiáticos. Em 2020, 30% da população era míope, com 4% apresentando alta miopia. Estima-se que até 2050, metade da população mundial será míope, e 10% terão graus elevados da condição. Na América Latina, o percentual de míopes aumentou de 15% em 2000 para 32% em 2020, e espera-se que chegue a 53% em 2050.
Para minimizar os riscos de desenvolver esse problema, é essencial estimular a prática de lazer e atividade física em ambientes externos e reduzir o tempo de exposição às telas. Os especialistas também recomendam que a primeira visita ao oftalmologista para crianças saudáveis ocorra entre 6 meses e um ano de idade, com uma nova avaliação entre os 3 e 5 anos. A partir daí, o médico estabelecerá a periodicidade das consultas. Atualmente, existem tratamentos para estabilizar ou retardar a progressão da miopia, mas o diagnóstico precoce é fundamental para o sucesso dessas abordagens.