Psicóloga explica como esse processo auxilia na independência e diminui ansiedade e medo de separação dos pais
Você já percebeu que a maioria das crianças se apegam a um objeto? Pode ser um urso, um pedaço de tecido, um brinquedo, entre outros itens que normalmente estão disponíveis para eles na casa onde vivem. Esse apego, segundo a teoria psicanalítica de Donald Winnicott, pediatra e psicanalista inglês, é fundamental para o processo de transição que vai colocando, gradualmente, a criança em contato com a realidade.
Segundo a teoria de Winnicott, o objeto transicional é um objeto material ou não, como um cobertor, ursinho de pelúcia ou fralda, que a criança adota em busca de diminuir a ansiedade e a separação dos pais ou cuidadores. Para o britânico, esse objeto é visto pela criança como algo que conecta seu mundo interno, o de fantasias e pensamentos, com o mundo externo, a realidade. O objeto é visto como uma ponte entre os dois mundos que a criança lentamente vai acessando.
Blenda Oliveira, doutora em Psicologia pela PUC-SP e psicanalista pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), explica que o objeto é como um processo natural que a criança busca para dar conta de começar a conhecer o mundo no qual está inserido e, gradualmente, vai descobrindo que seus cuidadores, principalmente a mãe, não está ali só para ele.
“É comum que durante seu processo de desenvolvimento os cuidadores se afastem ou até façam outras atividades que não esteja ali focado só no bebê. Nesse tempo e em contato com o real, a criança se apega a um objeto — raramente isso não acontece. É quase que uma substituição psíquica. Já que a mão não está aqui, colocarei essa coisa aqui no lugar. É aí que o objeto começa a ser uma ferramenta para lidar com a ansiedade e medo dessa separação que acontece com todos nós durante os primeiros meses de vida”.
A especialista ainda complementa que o objeto transicional não é necessariamente um objeto, mas pode ser também um gesto do bebê. “A criança, por exemplo, pode criar um som ou até mesmo ficar falando algumas palavras que podem auxiliar nesse processo que envolve a conexão com a realidade. Aliás, a própria mãe ou o cuidador pode oferecer ao filho uma música, por exemplo, que ajudará nesse processo de separação”.
Como o objeto transicional ajuda no desenvolvimento emocional da criança?
Pode-se entender que existem três aspectos que o objeto transicional auxilia no desenvolvimento emocional da criança.
1 – Transição da dependência à independência: O objeto transicional está presente numa fase em que a criança, ainda que inconscientemente, percebe que os pais ou cuidadores não estão ali o tempo todo. Esse objeto então pode proporcionar uma sensação de segurança quando os cuidadores não estão fisicamente presentes. “Podemos ver isso facilmente naquela criança que leva, por exemplo, seu objeto para a escola, principalmente no momento de adaptação”, comenta Blenda.
2 – Primeira posse “não-eu”: Winnicott acredita que o objeto transicional é a primeira posse que não faz parte do corpo da criança, é um misto de meio “real” e meio “fantasioso” que ocupa uma zona intermediária entre o subjetivo e o objetivo. Ou seja, é o objeto que conecta a criança ao mundo.
3 – Função de conforto e segurança: O objeto transicional proporciona à criança a sensação de conforto e segurança, especialmente em momentos de estresse ou ausência dos cuidadores. Ao usar o objeto, a criança desenvolve a capacidade de tolerar períodos de separação e solidão, uma habilidade importante para o desenvolvimento emocional saudável.
4 – Transição para o mundo externo: À medida que a criança cresce e desenvolve uma maior capacidade de se relacionar com o mundo exterior de maneira mais independente, o objeto transicional perde sua importância. O processo é natural e gradual, indicando que a criança está adquirindo mais segurança interna.
A psicóloga finaliza reforçando que os pais devem colaborar com esse processo de desenvolvimento emocional da criança.
“Para que o objeto transicional desempenhe seu papel adequadamente, Winnicott reforça a importância de um ambiente que ele chama de “suficientemente bom”, que é um ambiente que atenda às necessidades emocionais básicas da criança e que permita que ela explore a separação de forma segura e gradual.
Essa teoria é crucial para entender o desenvolvimento emocional das crianças e a maneira como elas começam a se relacionar com o mundo ao seu redor, construindo sua autonomia e capacidade de lidar com as perdas e ausências”.
Foto: Bando de Imagem