Texto: Mauricio Ribeiro
Sair das redes sociais será a única opção possível?
Os personagens desta história da vida real não querem se identificar. Eles têm medo. E a ameaça, apesar de rondar o mundo virtual, vem ganhando força no mundo real. Por isso, seus nomes serão trocados. Mas eles poderiam fazer parte do seu círculo de amigos; poderiam morar na sua rua, ou pior: poderiam estar dentro da sua casa. Ou será que não estão?
Felipe tem 22 anos. Como muitos rapazes de sua idade, leva uma vida normal. Trabalha, estuda, namora e se diverte jogando. Consoles diversos. Desde jogos que rodam no seu Playstation até games que exigem conexão com internet e a possibilidade de interagir com pessoas do mundo inteiro. A paixão por este tipo de diversão o levou além, e ele abriu uma conta no Discord.
O Discord é uma plataforma de comunicação em tempo real, projetada para comunidades online, principalmente para jogadores de videogames. Ele permite que as pessoas se conectem por meio de chat de voz, texto e vídeo, em grupos ou em chats privados; oferecendo recursos como salas de bate-papo em texto e voz, opções de compartilhamento de tela, integração com outros aplicativos e bots para automatizar tarefas simples. Ele também possui recursos de segurança, como a capacidade de criar salas de bate-papo privadas e controlar quem pode acessá-las. E foi aí que Felipe descobriu a face oculta da plataforma.
Fazendo contato com jogadores que compartilhavam do seu gosto por games, o jovem percebeu que nem todos estavam ali apenas pela diversão. Alguns usuários, com suas identidades escondidas por trás de nicknames (apelidos) e avatares (imagens) se sentiam mais à vontade para levar a conversa num outro sentido, além e alheio às estratégias dos jogos. “Não era apenas um lugar seguro pra trocar ideias, ensinar macetes, dar dicas… Tinha gente com todo tipo de proposta, desde convites para fazer parte de comunidades nazistas até desafios pra cometer coisas absurdas na vida real”, revelou ele. Absurdas como? “Machucar pessoas… Perseguir 2 minorias… Matar gente”. Felipe precisou ser corajoso, e cancelou sua conta. Como nunca usou seu nome real, nem compartilhou seus dados pessoais com ninguém ali, simplesmente deixou de existir dentro do Discord. “Preferi sair”, desabafa. “Quero distância de gente assim”
Felipe é adulto, e sabe o que quer. Jack Teixeira (nome real), membro da Guarda Aérea Nacional de Massachussets (USA), também é adulto, e sabia muito bem o que estava fazendo quando foi preso. O homem, de 21 anos, compartilhou arquivos secretos em um grupo online que liderava no Discord, o “Thug Shaker Central”. Ele vazou documentos de segurança nacional dos Estados Unidos na comunidade virtual sob sua liderança, onde se discutia uso de armas, equipamentos militares e religião. Eram 24 integrantes, todos admitidos via convite. E o Discord, como muitas plataformas digitais, não pergunta sua idade na hora de abrir uma conta. Ou, se perguntam, como as redes sociais Facebook, Instagram e Twitter, não há nada que impeça uma criança ou adolescente de fazer o seu registro. A esfera virtual ainda é muito frágil no quesito segurança; e essa fragilidade tem se escancarado nos últimos dias, quando diuturnamente a imprensa mundial noticia atos de terrorismo cuja gênese pode até não ser o mundo digital, mas que passa pela tela (e pelos olhos) de muita gente inocente. Inocente como Melissa, filha de Carlos e Débora, 11 anos, precoce no uso das redes e com uma cabecinha criativa cheia de boas ideias. Qual o problema de autorizar que a filha tenha uma conta no Tik Tok? Todas as meninas da sua idade têm. Até aí, nada demais… Até o dia em que, folheando os cadernos da filha espalhados na mesa de estudo do quarto, Débora se choca: diversas suásticas, símbolos nazistas, desenhados com canetas multicoloridas, formando mosaicos “inocentes”. De onde Melissa teria tirado a inspiração?
Antes de contar o desfecho desse episódio, convém esclarecer. A suástica é um símbolo que tem uma história muito antiga e variada, mas que se tornou famoso em todo o mundo por ter sido adotado pelo partido nazista alemão durante a Segunda Guerra Mundial. O partido nazista promoveu políticas de genocídio e atrocidades contra grupos étnicos, incluindo judeus, ciganos, 3 homossexuais e pessoas com deficiência. Desde então, a suástica tem sido amplamente associada a essas ideologias e atrocidades e, portanto, é considerada um símbolo de ódio e discriminação. No Brasil, a suástica é proibida como símbolo desde 1934, quando foi sancionada uma lei que proibia a propaganda e a divulgação de ideias nazistas e fascistas. O uso da suástica em qualquer forma, seja como um símbolo explícito ou disfarçado, é considerado uma violação da lei e pode levar a ações legais. A proibição da suástica é uma medida para combater o discurso de ódio e a discriminação, e para promover a tolerância e a diversidade no país. Débora, mãe de Melissa, talvez não saiba tão detalhadamente disso, mas se assustou quando viu no meio dos papeis da filha o “símbolo maldito”. Onde foi que a menina aprendeu a desenhar aquilo? Bastou perguntar: “um monte de gente no Tik Tok usa esse símbolo, mãe”. E a rede não censura. Obviamente o jurídico que representa a plataforma no Brasil sabe desta legislação, mas o aplicativo não tem recursos para coibir o uso da suástica nos perfis e postagens dos usuários. E nem todo mundo é inocente como Melissa. Muita gente está na plataforma para fazer apologia ao neonazismo, congregar simpatizantes e recrutar gente que não faz a mínima ideia do que foi o holocausto nazista. Carlos, o pai, deu a decisão final. “Tive que acessar a conta da minha filha pra ter certeza do que fazer. E se você entra no perfil de alguém no Tik Tok, aparece pra pessoa que você acessou. Então excluímos a conta dela. Não queremos nenhum tipo de envolvimento”.
O medo de Carlos é fundamentado. Há gente muito mal-intencionada e muito bem articulada quando se fala em invadir a privacidade alheia. Nem sempre o mero recurso de “bloquear” alguém, seja em que rede for, é eficiente para resguardar a sua segurança. A decisão mais difícil, que é abandonar as redes, por vezes é a melhor saída. Principalmente em tempos em que uma grande rede, como o Twitter, é chamada para prestar esclarecimentos à autoridade maior da nação em termos de segurança e defesa e simplesmente não consegue se explicar. Mas isso é tema para uma próxima edição.