Desde 2018

⭐ Piracicaba, 31 de maio de 2025 ⭐

[wp_dark_mode style="3"]

Publicidade

Bonecas reborn como filhos revelam dores emocionais que não cabem no colo da sociedade

Bebe-reborn-Pixabay (1)

Especialistas em DBT explicam como o cuidado de adultos com bebês hiper-realistas pode ser um recurso terapêutico ou um sinal de sofrimento psíquico silencioso

Elas têm nome, enxoval, certidão de nascimento e são carregadas nos braços como recém-nascidos de verdade. Algumas passam até pelo processo de rompimento da bolsa. Mas ao mesmo tempo não choram, não respiram e não crescem. As bonecas reborn, criadas para parecerem bebês reais, deixam de ser objetos de coleção para ocupar lugar de filhos na rotina de muitos adultos — especialmente mulheres — em diferentes partes do mundo. O fenômeno, que já movimenta nichos inteiros nas redes sociais, causa estranhamento para alguns, fascínio para outros e, para a psicologia, levanta questões sérias sobre saúde mental e vínculos afetivos.

A psicóloga Êdela Aparecida Nicoletti, especialista em Terapia Comportamental Dialética (DBT) pela Behavioral Tech, diretora do Centro de Terapia Cognitiva Veda e com ampla experiência em transtorno de estresse pós-traumático, afirma que essa prática pode tanto funcionar como um recurso terapêutico quanto se tornar um obstáculo à saúde psíquica.

“Essa é uma questão delicada. Em alguns casos, o cuidado com o reborn pode representar uma estratégia de enfrentamento emocional diante de perdas, traumas ou situações de vulnerabilidade afetiva. Mas quando essa relação substitui completamente os vínculos sociais reais ou impede o enfrentamento de dores psíquicas importantes, ela pode ser muito prejudicial”, explica.

Ela destaca, ainda, que esse tipo de vínculo pode ter efeitos positivos em contextos específicos.

“É muito terapêutico quando alguém convive com demência, como no caso de alguns idosos com Alzheimer. O vínculo criado com o reborn, nesse sentido, pode oferecer conforto emocional e senso de cuidado.”

A DBT, abordagem reconhecida por sua ênfase na regulação emocional e validação do sofrimento, propõe ferramentas práticas para que o indivíduo compreenda seus sentimentos sem se desconectar da realidade. Na visão da terapia, o uso dos reborns pode indicar que a pessoa está tentando acolher internamente uma dor que não encontrou espaço legítimo no mundo externo.

“É essencial entender que a reborn, nesses casos, não é apenas uma boneca. Ela pode representar a tentativa de reconstruir ou manter um vínculo afetivo que foi interrompido, como no caso de perdas gestacionais, traumas precoces ou histórias marcadas por negligência emocional. O cuidado intenso com esse objeto pode funcionar como um alívio simbólico, mas também sinalizar que a pessoa ainda não encontrou recursos internos ou apoio externo suficientes para elaborar essa dor. A função da DBT é justamente oferecer caminhos para que esse sofrimento seja acolhido, nomeado e ressignificado de forma segura, favorecendo conexões mais saudáveis com o mundo ao redor”, explica o psicólogo Vinícius Guimarães Dornelles, mestre em Cognição Humana e especialista em DBT pela Behavioral Tech e pela Universidad de Luján.

Ainda que o comportamento de cuidar de bonecas não seja, por si só, um indicador de transtorno mental, especialistas alertam que o contexto precisa ser analisado. O afastamento de relações humanas, a recusa a buscar apoio psicológico e a fusão excessiva com o objeto podem ser sinais de alerta.

“Nem todo uso dos bebês reborn é patológico, mas vale sempre olhar para o contexto e a função que esse objeto está desempenhando na vida do indivíduo”, reforça Êdela.

A DBT oferece suporte justamente nesse ponto, ajudando a transformar estratégias rígidas de enfrentamento em repertórios emocionais mais flexíveis e saudáveis.

Em tempos de hiperexposição digital, o fenômeno dos reborns também levanta uma reflexão urgente sobre o que a sociedade permite expressar — e o que ela prefere atacar. Pessoas que compartilham nas redes esse tipo de cuidado frequentemente se tornam alvos de escárnio, hostilidade ou medicalização precoce, sem que suas histórias sejam verdadeiramente escutadas. Esse julgamento, que transborda em comentários, memes e vídeos reativos, pode agravar uma situação que já é marcada por dor.

“O fenômeno nos convida a refletir sobre como lidamos com o afeto, o luto, a solidão e a necessidade humana de cuidado e conexão”, afirma Êdela. Para ela, o caminho não está em ridicularizar, mas em compreender: “O nosso papel como profissionais da saúde mental é promover acolhimento e orientação, sem sensacionalismo. Há muita gente opinando sobre esse tema sem qualquer embasamento técnico. Nós precisamos aprofundar esse debate com responsabilidade”.

Foto: Banco de Imagem

Publicidade