Não é exagero afirmar que uma das discussões mais relevantes da história do nosso país é a que tramita no momento no Senado sobre o PL 2.051/2025. Ele prevê a inclusão obrigatória das disciplinas de inteligência artificial (IA), programação e cibersegurança no currículo do ensino médio.
A educação cibernética entra na mesma seara da educação financeira. Ambas são fundamentais para uma sociedade funcional, próspera e segura. Mas a primeira tem maior urgência quando se trata de crianças e adolescentes: diferentemente do letramento financeiro, o cibernético é necessário já para hoje, muito antes da maioridade.
O ensino da cibersegurança, no contexto atual, é fundamental por diversas razões. As ameaças cibernéticas já estão incrustadas no dia a dia dos jovens – porém, a maioria deles não sabe disso e os casos aumentam. Com recorrência, temos visto inúmeros casos de cyberbullying ao redor do mundo.
Esse fenômeno pode ser potencializado com o vazamento de dados pessoais na internet – que, se para um adulto já é danoso, causa um impacto ainda maior no desenvolvimento e nas nuances da saúde mental da garotada.
O vetor desse cibercrime são os diversos riscos que estão por toda a parte no ambiente digital. O universo gamer, por exemplo, que tem forte influência nas gerações mais novas, possui uma variedade de iscas para instalação de malwares e infostealers.
No Brasil, vivemos um cenário ainda mais preocupante: somos um dos maiores alvos de ataques cibernéticos do mundo. Segundo relatório da Check Point Research, tivemos uma média de mais de 2,7 mil tentativas de ataque por semana no ano passado.
Os riscos transcendem a criança e afetam contas pessoais e corporativas de seus pais ou cuidadores. Quando o usuário é pescado, o risco transcende a ele, alcançando todos os que operam o dispositivo que ele usou. Por exemplo, no dia a dia de cyber threat intelligence e resposta a incidentes cibernéticos, identificamos diversos casos graves como este: sistema de grande empresa invadido através de credencial corporativa vazada por um malware que o filho de um colaborador instalou jogando no computador do pai.
E mesmo que fosse um dispositivo da criança, quaisquer dados de login que o tutor deixou ali representam um risco crítico se ela clicar desavisada em algum infostealer. Isso é muito comum de ocorrer, dada a característica do ambiente. Nos jogos online, os usuários são estimulados a baixar expansões e novos games – só que alguns links são de fontes não confiáveis e, sem saber, a criança acaba infectando o dispositivo.
Os aplicativos de celular também são vetores silenciosos e crescentes para ciberataques de alto impacto. Cada vez mais, o cibercrime tem usado aplicativos como porta de entrada. Só de fazer o download de um app aparentemente seguro, um infostealer pode ser instalado para violar a privacidade do dispositivo e conseguir acessar o que está nele.
Por dia, mais de 400 mil aplicativos não confiáveis (basicamente, malwares) são lançados na Appstore ou no GooglePlay. Mesmo que as plataformas tenham controles específicos para derrubar esses apps, eles evoluem de forma contínua suas artimanhas, e conseguem se manter ativos – e aí, bastam alguns minutos de disponibilidade para obter downloads de usuários e consolidar invasões.
É preciso educar os jovens sobre o que é a proteção de dados de fato. Noções de confidencialidade e de permissão de acesso a dados são essenciais para a molecada entender o que está entregando ao fabricante de um app ao baixá-lo, ou ao proprietário de uma página ao acessá-la. Com o que estamos concordando ao clicar no inofensivo botão “aceitar cookies”? É provável que nem os adultos tenham entendido ainda, então imagine uma criança.
Além disso, é fundamental conscientizar os jovens sobre a abrangência da exposição digital. Muitas vezes, dados potencialmente perigosos são expostos espontaneamente pelas crianças. É sabido que a educação brasileira sofre com diversas lacunas históricas. Pois agora há uma nova – a educação cibernética – que precisa ser preenchida logo e com seriedade. Não basta aprovar uma lei com apelo popular. É preciso discutir como viabilizar a implementação do letramento digital com qualidade e estrutura dentro da já extensa BNCC (Base Nacional Comum Curricular, que regulamenta a educação no Brasil) em um contexto nacional de precarização da rede de ensino.
Portanto, é uma missão que terá sucesso se for compartilhada: cabe à escola, mas igualmente aos tutores a responsabilidade de educar os jovens nessa nova disciplina – que é social, não apenas escolástica. Só assim será possível evitar que o volume e os impactos dos riscos cibernéticos se agravem ainda mais.