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⭐ Piracicaba, 29 de janeiro de 2025 ⭐

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Serpente de Prata, Primeira Vencedora do Festival de Música Ecológica de Piracicaba

ROGÉRIO VIDAL E NORDHAL NEPTUNE

Foi durante um cafezinho no tradicional bar “Bistecão”, na praça central, que conversando com o amigo Nordhal Neptune, começamos a tecer teias tênues, como dizia o poeta João Cabral de Melo Neto, sobre um tema recorrente na cidade. Os festivais de música popular e ecológica. Como letrista de “Dorme e sonha”, ao lado do colega do Sud, Marinho Castelar, já tinha participado de um deles, realizado no teatro São José, onde houve um reconhecimento muito grande sobre o nosso trabalho.

Mas avançamos no tempo e chegamos aos festivais de música ecológica realizados na cidade, pela primeira vez no Sesc e depois nos teatros da cidade, Erotides, Losso, UNIMEP, entre outros. E surgiu a ideia da entrevista/recordações com o vencedor do primeiro festival, Francisco Rogério Vidal e Silva, ou só Rogério Vidal como é mais conhecido o ex-vereador, ex-presidente da Câmara Municipal, ex-secretário municipal de meio ambiente, agricolão de quatro costados e que me encantou numa noite lá no Sesc. Não me lembro bem se eu participava do júri, representando o jornal O Diário, onde trabalhava na época ou com simples espectador. Aquela música me emocionou muito e guardo ainda na memória sua letra magistral escrita pelo Vidal. Que nos recebeu eu casa, com sua esposa Sandra, numa tarde destas, para alinhavarmos um pouco das saudades daqueles dias.

Ele tomou conhecimento de que haveria um festival de música ecológica na cidade, a partir de m cartaz que leu em frente ao antigo restaurante da ESALQ, onde era aluno do curso de agronomia. Não voltou para as aulas do período da tarde. Foi para casa e a letra e a música foram explodindo na sua imaginação, relembrando dos seus tempos de pescaria ao lado do pai Mané Vidal, também ex vereador e ex-presidente da Câmara de Torrinha, que o levava sempre para suas pescarias. Enquanto as memórias daqueles dias o envolviam, ia anotando num caderno os versos da música, transcrita integralmente abaixo e que pode ser ouvida no link “Serviços”, no final desta matéria.

Locais de pescaria, tipos de peixes que conhecia, matas verdejantes e densas e o rio a cortar. Como uma “serpente de prata”, cujo titulo viria por fim, coroando o processo criativo daquela tarde. Quem não se encantar, bom piracicabano não é!

Com os rabiscos no caderno e a harmonia composta, foram feitos pequenos ajustes. A inscrição foi outro passo, feita mesmo lá no SESC, ao vivo e em cores. E com muitas esperanças. Vencedor indiscutível do júri de classificação naquela noite, o auditório do SESC, partiu, uns dias depois, para outra velha e conhecida casa, o CALQ, Centro Acadêmico Luiz de Queiroz, onde, perante casa superlotada, apresentou de novo sua música. E foi consagrado pelos aplausos e pela grande vitória conquistada naquela noite.

E que as memórias destas linhas possam ensejar aos gestores da cultura em nossa cidade, a volta daqueles dias, esquecidos pela pandemia nos últimos tempos.

SERPENTE DE PRATA

Rogério Vidal

A CORTAR AS MATAS    LÁ VINHA O RIO

SERPENTE DE PRATA, IMPONENTE E ESGUIO

TRAZIA   DOURADOS, PIAVAS, MANDIS

CORIMBAS, PINTADOS, JAÚS E LAMBARIS

DA PROA DO BARCO OU DA RUA DO PORTO

VIA-SE O ARCO      DE TODAS AS CORES

DEPOIS DO SOL MORTO,

VINHA A LUA BRANCA   BRINCAR NA AREIA

E TINHA A PIRACEMA, SALTO ACIMA OS PEIXES

TEMA DE TODAS AS RIMAS DE SEUS CANTADORES

A QUEM HOJE PEÇO    QUE CANTEM O RIO COM SUAS HISTÓRIAS

BUSQUEM NA MEMÓRIA, NAS FACES DOS VELHOS

QUEM SABE ELE VOLTE A SER O QUE ERA:

UM IMPONENTE RIO, SERPENTE DE PRATA

E CORTE AS VEIAS   DO MONSTRO QUE LHE MATA

 

Festivais de Música Ecológica de Piracicaba

No Brasil os festivais de MPB surgiram em 1960, com a ascensão da televisão. Como uma ferramenta nova de comunicação capaz de remodelar o comportamento e a relação do público com os bens culturais produzidos naquela época, o primeiro festival foi promovido pela Rádio e TV Record em dezembro de 1960.

Piracicaba esteve na vanguarda, desde a década de 70, na promoção dos festivais de música ecológica, uma das poucas cidades brasileiras pioneiras a difundir esse gênero musical. Durante as décadas de 70/80 e 90 muitos shows e festivais de MPB foram apresentados nos palcos do CALQ/Centro Acadêmico Luiz de Queiróz, do Teatro São José, do Ginásio Waldemar Blatkauskas, do Teatro Municipal   Dr. Losso Neto, Teatro da UNIMEP no centro.

A ideia de realizar o Festival Ecológico em Piracicaba vem de certa nostalgia e de lembranças memoráveis da época gloriosa da história da música popular brasileira, dos grandes Festivais de MPB que aconteciam no país no final da década de 70 até meados dos anos 80. A partir da década de 90 os Festivais de Música foram se exaurindo pelo país e perdendo suas características originais, dando lugar a grandes produções de espetáculos com formatos trazidos dos EUA ou Europa.

Pela sua importância de estar na vanguarda de conscientização ecológica via música, o festival tem por objetivo resgatar, preservar, fomentar, difundir e divulgar a produção musical popular brasileira, estimulando, por meio da concessão de prêmios o potencial criativo e produtivo de nossos músicos, compositores e intérpretes em defesa do meio ambiente e da natureza. Permite, também, o intercâmbio cultural entre os músicos, a formação de novas plateias, a revelação de novos talentos, além de despertar e incentivar o interesse da população pela música e contribuir por uma melhor qualidade de vida. Nesse sentido, busca-se a união e o apoio de todos os segmentos representativos da sociedade, para que definitivamente esses festivais se tornem um marco de conscientização na luta pela preservação do meio ambiente.

Na década de 80 por iniciativa do Sesc, Piracicaba foi por quatro anos palco de um dos maiores e mais importantes festivais de música ecológica do país sob a batuta do produtor musical Abílio Manoel. O primeiro festival aconteceu no Teatro São José e a partir daí revelou nomes que elevaram e continuam elevando nossa MPB, como é o caso de Tato Fisher, Luli e Lucina, Chico Coelho, Zeza Amaral, Banda do Sol, Rubens De Ávilla, Grupo Avena, César Brunetti, Genésio Tocantins, Edu Viola, Marinho Castelar, Beto Santos, Antonio Berchmans Canto, Celso Viáfora, Grupo Nova Dantzig e tantos outros. O corpo de jurados também era composto por artistas que na época estavam em ascensão e até hoje continuam na ativa como é o caso de Arrigo Barnabé, José Miguel Wisnick e Paulo Barnabé, entre outros.

Em 1982 foi lançado um disco das duas últimas edições do Festival. Foi numa noite fria de 30 de julho de 1983 que pela primeira vez o IV Festival de Música Ecológica, promovido pelo SESC/Piracicaba, com apoio da Prefeitura Municipal, teve sua final realizada ao ar livre no Centro de Lazer com a presença de cerca de 5 mil pessoas.

Em 1991 aconteceu o último Festival de Música Ecológica na cidade por iniciativa do Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba e Capivari, composto pelas Prefeituras das cidades de Atibaia, Bragança Paulista, Campinas, Piracicaba, Rio Claro e Sumaré, E no ano seguinte, no dia 6 de agosto, foi lançado um disco com as músicas classificadas nesse festival. Uma verdadeira relíquia para quem o possui.

Após um hiato de 22 anos, por iniciativa do produtor cultural Nordahl Neptune, do SESC/Piracicaba e da Prefeitura Municipal de Piracicaba SEMAC/Secretaria Municipal de Ação Cultural, após inúmeras reuniões foi tomada a decisão da realização do I Festeco/Festival de Música Ecológica de Piracicaba.

O I Festeco aconteceu no Engenho Central, nos dias 22, 23 e 24 de outubro de 2015 e o II Festeco nos dias 7, 8 e 9 de junho de 2019, também no mesmo local, ambos sob a curadoria do produtor cultural e defensor incansável da cultura popular piracicabana, Nordahl Neptune.

Com promessas de que o Festival de Música Ecológica entraria para o calendário de eventos culturais da cidade e que seria bienal, nada disso aconteceu e ficamos sem o nosso festival por 5 anos. A esperança é que com o novo Prefeito, o SESC, a SEMAC e o Consórcio das Bacias Hidrográficas, numa parceria com empresas privadas, possamos ter de volta esse importante festival.

Abaixo, texto do jornalista, escritor e ambientalista, José Pedro Martins, que está completando 45 anos de profissão, publicado na edição 69, da Revista Painel, da UNIMEP, em maio de 2011.

O Festival de Música Ecológica foi uma das múltiplas ações, entre o final da década de 1970 e início da de 1980, que tornaram Piracicaba e região o principal centro de discussões ambientais no Brasil.  como afirma o

“O ponto central era a defesa do rio, que corta o coração da cidade e cuja agonia era vista a olho nu pela população. Dois principais fatores alimentaram o movimento ambientalista em Piracicaba. O primeiro, o Proálcool, a alternativa dos militares para combater a crise do petróleo. De um lado o Programa Nacional do Álcool representou crescimento econômico e abertura das portas tecnológicas que levaram à importância que tem o etanol hoje e, de outro, a ausência de legislação e cuidados pelo segmento na época levaram à degradação da bacia. Os resíduos do processamento do álcool eram lançados diretamente nos rios, que a todo momento expunham suas dores, com mortandades de peixes e outras cenas de grande impacto. Depois isso cessou, com a utilização dos resíduos na própria cultura da cana e com avanços da legislação e procedimentos tomados pelo setor sucroalcooleiro.

A segunda motivação daquele movimento foi o início das operações do Sistema Cantareira, que passou a retirar água da bacia do Piracicaba para abastecer metade da Grande São Paulo. Outra decisão da ditadura, tomada sem consultas à sociedade.

Estas são as raízes do processo que levou à constituição, em 1989, do Consórcio Intermunicipal das bacias dos Rios Piracicaba e Capivari, e de outras ações que consolidaram a região como espaço de reflexão sobre os destinos das águas. Espaço que contribuiu muito para a elaboração da Lei 9433/97, a Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos, que representou grande reviravolta na gestão das águas no Brasil.

Uma das consequências da mobilização regional e formulação do marco legal foi o avanço no tratamento de esgotos domésticos, depositados nos rios pelas cidades. Duas novas leis contribuem para um cenário ainda mais promissor para a proteção das águas. São a Lei 11.445/2007, da Política Nacional de Saneamento, e a Lei 12.305/2010, da Política Nacional de Resíduos Sólidos. A formulação de planos municipais de saneamento e a meta de erradicar os lixões a céu aberto até 2014 são algumas das ações previstas nessas leis, que abrem melhor perspectiva para a universalização do saneamento no Brasil.

Mas nada disso, avanços na legislação e novas tecnologias que proliferam a toda hora, serão suficientes se não houver um reencantamento, um novo olhar do ser humano para os recursos naturais. Uma revolução cultural, reaproximando homem e natureza. Esse é o sentido original daquelas ações, lá nos anos 70 e 80, que começaram como uma indignação existencial, espiritual.

Então no festival de música ecológica que aconteceu no teatro da UNIMEP no centro, nos anos 80, a Banda do Brilho que era composta por Paulo Checoli (Binga), Afonso Kraide (Fon) e Nordahl Neptune, venceram de melhor música e melhor arranjo com a música “Aspirar é bom”, no júri estavam Arrigo Barnabé, Miguel Wisnik e Hermeto Paschoal.