No dia a dia piracicabano, Bruno Chamomchumbi é um publicitário criativo e competente, meu ex-aluno na UNIMEP e Wana Carcagnolo Narval é mestre em educação, escritora e, especialmente, uma grande cantora. Mas quando chega o período do Natal, os dois se juntam e distribuem alegrias, canções, colhem aplausos e gargalhadas, e enchem de esperanças os ambientes que percorrem aqui na cidade e na região.
Não chegam de trenó, renas, descendo pelas chaminés e distribuindo presentes. Chegam de mansinho, como no último show de 2024, que assisti deles nas escadarias da Santa Casa de Piracicaba, distribuindo abraços, sorrisos, cantorias diversas. A primeira parte do show foi executada pela Orquestra Noiva da Colina, sob a direção de Ivete Machado e Sandra Marques, que foram das músicas sertanejas tradicionais às natalinas no encerramento, abrindo com entusiasmo, para ápice que seria visto posteriormente por ação e obra de Bruno e Wana, aliás, Papai e Mamãe Noel.
Noutro momento marcante, Papai Noel canta músicas de Joelma, cantora sertaneja, escolhe uma pessoa com perfil físico e cabelos loiros, que estava na plateía, tira para dançar e cantar e, naturalmente, jogar os cabelos “à la Joelma”, sob aplausos intensos da plateia.
O projeto, que já tem 25 anos, percorreu vários locais da cidade e região, como Esalq, Pecege, Societá italiana, Vicolo Alto, Mercatto by Claudia Portero Piracicaba, Americana e Campinas, COC, Dona Baunilha, terminando na Santa Casa que encerrou com o espetáculo as comemorações dos seus 170 anos de atividades aqui em nossa cidade. Na saudação solene que fez na abertura daquela noite, o vice-provedor, Orlando Pavão, destacou a data e a culminância com o espetáculo natalino apresentado aos seus funcionários e convidados especiais. E eu também estava por lá, com muita expectativa, porque, até então, só ouvia falar do projeto, mas nunca tive a oportunidade de assistir um de tão perto.
No repertório musical da dupla, passaram canções como Jingle Bells, Boas Festas, Pout Pourri Natal, Sertanejo (o inesquecível Rio de Piracicaba), Infantil (Balão Mágico, entre outras), Bênçãos, Natal Todo Dia, Noite Feliz, We wish a merry Christmas num passeio pelo mundo, em português, inglês, japonês, árabe, alemão, francês, entre outros. Culminando com “La vie en rose”, interpretado por Wana, de forma comovente.
Um dos exemplos de sua preocupação com essa miscigenação cultural está no repertório do show.
“A gente faz um passeio do Papai Noel viajando por vários países. Ele canta ‘We Wish You A Merry Christmas’, em inglês, ‘Feliz Navidad’, em espanhol, e aí ele vem para o Brasil e canta ‘Feliz Seja o Seu Natal’ e termina em Piracicaba, onde ele canta ‘Da hora esse Natar, da hora esse Natar, da hora ese Natar, barbaridade que bão”, e aí ele canta ‘O Rio de Piracicaba”, detalha o publicitário.
Origens do projeto
A primeira história de Natal que o publicitário piracicabano Bruno Chamochumbi se lembra é triste. Perdeu seu pai no dia 8 de dezembro de 1986, quando tinha 4 anos. “Você imagina que tristeza foi o Natal da nossa família”, diz. Ao longo dos anos, a data apontada como a do nascimento de Jesus Cristo se tornou de melancolia e saudade em sua casa.
A forma de contornar isso e amenizar tais sentimentos foi incluir sonho e fantasia.
“Minha mãe incentivava a gente a mandar cartinhas para o Papai Noel. Minha família gostava de fazer presépio, todo mundo se reunia, tinha música”, recorda.
Foi assim que ele acreditou no Bom Velhinho até os 12 anos e, aos 15, recebeu a proposta de distribuir panfletos para uma escola de informática vestido de Noel.
“E eu me encantei com aquilo de tal maneira que no segundo dia eu já queria esconder o cabelo preto na cabeça, já queria que a barriga [postiça] parecesse barriga de verdade”, revela.
Ali começava a nascer o personagem principal do projeto Casa de Noel, que em 2020 vai completar 20 anos e hoje circula pelo Brasil. Segundo o publicitário, um dos principais objetivos da iniciativa é afastar a visão mercadológica associada à data e conferir brasilidade às suas simbologias.
Bruno, que já tinha feito teatro, trabalhado como palhaço em festas infantis, entre outras atividades artísticas, logo evoluiu em seu sonho natalino e estava descendo de helicóptero no estádio do XV de Piracicaba para animar o Natal ou se tornando o Papai Noel de um prédio iluminado em frente à Praça José Bonifácio.
Aos 18, lançava efetivamente a Casa de Noel, um projeto junto a arquitetos que reunia a criação de espaços natalinos em uma casa e a possibilidade de os visitantes acompanharem a rotina do personagem do Papai Noel pelos cômodos, dormindo, comendo, cantando, como em um reality show.
A partir de 2006, Bruno passa a viabilizar um musical para, assim, consolidar mais a ideia de desconstruir o estigma mercadológico associado ao Natal. Assim, nascia o personagem Papai Noel Cantor.
“Nosso projeto desconstrói a imagem comercial do Papai Noel a partir do momento em que entrega para as pessoas não a bala, não o presente, mas música. A gente mobiliza milhares de pessoas em torno de uma emoção, de um resgate, de uma coisa mais orgânica”, afirma.
Com cantores, banda, diretor de cena, diretor musical e arranjos especiais, o espetáculo leva como uma das marcas o fato de não trazer no repertório apenas músicas natalinas, mas outras que falem de valores humanos.
Solidariedade
Ações sociais também envolvem a atuação do Noel piracicabano. Depois de ficar com seu filho Antonio em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Neonatal por 12 dias, quando ele nasceu, Bruno realizou visitas a esse setor, por mais de dez anos, nas vésperas de Natal.
“E a gente viveu histórias muito emocionantes dentro do hospital da Santa Casa”, recorda.
Outras situações comoventes, lembra ele, são as que envolvem plateias de pessoas idosas que enxergam no espetáculo o momento da infância.
“É um espetáculo muito emotivo, alegre, mas também conecta as pessoas com a saudade da infância”, explica.
A ludicidade
Para Bruno, em tempos de redes sociais, é mais difícil manter a fantasia do Natal e do Papai Noel para as crianças, o que ele considera algo negativo.
“Elas dão um google em qualquer coisa e ele responde a elas exatamente o que elas estão procurando. Você está desestimulando a criança em um processo lúdico, de construção de personalidades mágicas, de amigos imaginários, uma série de coisas que a criança tinha, em um passado não tão distante, porque ela conseguia nutrir esse sentimento sem muita interferência”, analisa.
Isso, agravado por uma maior individualização, é o motivo do fim precoce da infância na sociedade atual, reflete o publicitário.
“Para mim o Google é ótimo, mas para uma criança de 12 anos pode ser uma ferramenta totalmente depreciativa. E acho que precisa cuidado, trabalhado por meio de iniciativas artísticas, lúdicas, humanas, relacionamento, de conteúdo, de amor, de práticas offline. E é cada vez mais difícil”.
Brasilidade
Outra questão trabalhada por Bruno no projeto é a inserção de elementos brasileiros e até piracicabanos no conteúdo natalino que propaga.
“Como a gente consegue fazer com que o Papai Noel, que é uma figura que ainda hoje é criticada por ser embutida na cultura brasileira, se torne brasileiro? Eu discordo que seja algo só embutido. Concordo que seja algo absorvido”, pondera.
A relação e o amor pela cidade ficam evidentes nos relatos do artista.
“Se a gente parar para pensar que estamos presentes na cidade de Piracicaba há 20 anos, uma criança que nos assistiu com 3 anos de idade hoje está com 23, 24 anos, e pode até ser um pai de família. Isso pra nós é algo muito importante, é a transformação do olhar de uma geração de uma cidade sobre o Natal, um natal possível, diferente, afetivo”.
2020
Naquele ano, o calendário do Bom Velhinho foi encerrado com um espetáculo no começo do mês, em Piracicaba. Em 2020, na comemoração de 20 anos do projeto, está programada a circulação por cinco cidades do Estado, por meio do Programa de Ação Cultural (ProAC), e apresentações em quatro Capitais do País, pela Lei Rouanet.
Em 2018, já tinha circulado em Curitiba, Campos de Jordão, São Paulo, Campinas, Americana, Nova Odessa e Santos.
“Nossa busca é nacionalizar o projeto, para que seja conhecido como um musical de natal brasileiro. E isso só é feito com a trajetória, ano a ano a gente encarando os desafios de se produzir cultura, música e arte no Brasil”.
Fotos: Divulgação