A Câmara Municipal de Piracicaba, esteve presente na manifestação liderada pelo historiador Noedi Monteiro, que na manhã da última quinta-feira (15), convidou a população em geral, autoridades e representantes de entidades para um ato público, no registro de uma foto, num “abraço simbólico”, no entorno do monumento e o esboço da planta original da ponte Irmãos Rebouças, que completa 150 anos, localizada no início da avenida Barão de Serra Negra, em trecho que passa sobre o rio Piracicaba, proximidade do Mirante, região central da cidade.
Divisor de águas
A consideração é que o rio Piracicaba sempre foi um “divisor de águas” para a cidade, entre o centro e a vila Rezende, com o surgimento outros bairros na expansão urbana. A Ponte dos Rebouças foi concluída em 15 de maio de 1875, sendo a primeira ponte de concreto armado do país. O tráfego era feito numa ponte situada nas proximidades, porém, construída em madeira, necessitando de reparos constantes devido à vazão do rio.
A obra foi concebida pelos irmãos Rebouças, por isso, a denominação oficial de “Ponte irmãos Rebouças”, segundo lei 3.399 de 27 de fevereiro de 1992, assinada pelo então prefeito José Machado (PT). Antonio Pereira Rebouças Filho (1839-1874) e André Pinto Rebouças (1838-1898) eram negros, numa época em que vigorava a escravidão no Brasil.
Eles são considerados desbravadores por venceram o preconceito que a sociedade tinha em relação aos negros, aos escravos e aos seus descendentes. Naturais da Bahia, eram filhos de negros livres. A população local daquela época era composta de 8 mil habitantes, sendo 5.400 escravos.
Os irmãos formaram-se em engenharia pela Escola Central Militar do Rio de Janeiro. Foram a Londres e Paris onde aprofundaram estudos sobre ferrovias e portos. André deixou importantes obras pelo Brasil, em especial no abastecimento e docas do porto do Rio de Janeiro.
Construída pelos irmãos negros, Antonio e André Rebouças, no ano de 1875, em pleno período da escravidão no Brasil, a obra coloca Piracicaba em evidência nacional ao inaugurar a primeira ponte em concreto armado do País.
Noedi esclarece que Antônio Pereira Rebouças Filho iniciou as obras e, que acabou doente, vítima de febre tifoide, causando sua morte, em 1874, no ano anterior da previsão de inauguração. Então, seu irmão, o também engenheiro André Pinto Rebouças, assumiu o comando e inaugurou a ponte em 15 de maio de 1875.
Além de profissionalmente muito respeitados, os três irmãos se destacavam como abolicionistas convictos no Império, e davam mostras de como os negros estavam prontos para assumir, com louvor, um papel social de destaque absoluto.
Resistência
O professor Noedi Monteiro, na condição de integrante do Movimento Negro também faz uma reflexão sobre a condição do povo negro, subestimado pelo poder dominante e mentes escravocratas até hoje em nossa sociedade, e assim inferiorizado, que precisa, do exercício ininterrupto da superação para vencer os desafios do dia a dia.
A constatação é que não foi diferente, com os Irmãos Rebouças engenheiros negros nos seus dias. “Imagine, uma construção dessa natureza e magnitude naqueles dias, em que nenhum engenheiro branco e caucasiano, até então, ousara fazer. Inacreditável! Pois, esta, é a ponte Irmãos Rebouças de Piracicaba, inaugurada a 15 de maio de 1875, num sábado. A primeira em concreto armado, ferragem, e chapa naval inglesa do Brasil, com repercussão geral nacional e internacional. Para quem cruza a ponte diariamente, não imagina a estrutura que a suporta e que permite a conectividade e mobilização urbana sobre o Rio Piracicaba, há 150 anos”, reflete o professor.
Também podemos encontrar pelo Brasil afora, homenageados com nomes de avenida, túnel e até um bairro inteiro, onde os irmãos Antônio e André Rebouças não só foram os primeiros engenheiros negros do Brasil, mas estiveram entre os mais importantes do país na segunda metade do século 19.
Eles contribuíram com o desenvolvimento do então recém-separado estado do Paraná e projetaram importantes obras no Rio de Janeiro. Também lutaram pela abolição da escravidão — principalmente André, que participou de campanhas e manifestações.
Ambos nasceram em Cachoeira (BA), com apenas um ano de diferença: André em 1838 e Antônio em 1839. Eram netos de uma escrava alforriada e um alfaiate português. O pai, que também se chamava Antônio, era um advogado autodidata, deputado e conselheiro de Dom Pedro II. Em 1854, os irmãos ingressaram juntos no curso de engenharia da Escola Militar, no Rio de Janeiro. Sete anos depois, embarcaram para a Europa, onde se especializaram em construção de portos e ferrovias.
De volta ao Brasil em 1862, foram contratados pelo Império para supervisionar obras em fortificações de Santos (SP), Paranaguá (PR) e Santa Catarina. Antônio morreu em 1874, aos 35 anos, vítima de febre tifoide. Não viu seu principal projeto ficar pronto, a Ferrovia Curitiba-Paranaguá, que só foi concluída em 1885. Já André serviu na Guerra do Paraguai e, após a morte do irmão, passou a morar no Rio de Janeiro, onde exerceu um papel ativo na militância abolicionista. Fiel ao Imperador, mudou-se com a Corte para a Europa após a Proclamação da República. Morou em Funchal, na Ilha da Madeira, até o final da vida, quando foi encontrado morto num rochedo à beira do mar, aos 60 anos de idade.
Por suas importantes obras, foram homenageados com o Túnel Rebouças, que liga a zona sul à zona norte no Rio de Janeiro; a Avenida Rebouças, uma das principais da cidade de São Paulo; e o bairro Rebouças, que se desenvolveu ao redor da Estação de Trem projetada por eles em Curitiba.
Principais trabalhos
Pesquisas bibliográficas apontam as principais obras dos Rebouças, a exemplo da ferrovia de 110 quilômetros que liga a capital paranaense ao porto de Paranaguá, considerada uma impressionante obra de engenharia até os dias de hoje. A estrada de ferro corta o terreno acidentado da Serra do Mar, passando por 14 túneis. A obra iniciou em 1872 e terminou em 1885, e até hoje é utilizada para escoar a produção não só do Paraná, mas também da região Centro-Oeste do Brasil.
A capital do Império, o Rio de Janeiro vivia um problema crônico de seca. Com frequência, faltava água na cidade. A solução para o problema foi formulada por André Rebouças. Em um relatório publicado em uma revista de engenharia em 1870, o engenheiro propôs que se transportasse água do manancial do Rio D’Ouro para a capital, descendo a Serra do Tinguá em uma tubulação de 55 quilômetros de extensão. O estudo deu origem ao Sistema Acari, que teve sua primeira linha concluída em 1877.
O porto do Rio de Janeiro era um amontoado de unidades independentes espalhadas sem planejamento. A situação começou a mudar quando André Rebouças assumiu a direção de obras e implantou as Docas da Alfândega e a Doca Dom Pedro, em 1871. Os projetos ganharam uma dimensão ainda mais importante porque Rebouças proibiu a utilização de mão-de-obra escrava para as construções.
Em maio de 2012, durante as obras de revitalização da Zona Portuária do Rio de Janeiro, arqueólogos encontraram nas escavações a pedra fundamental da Doca Dom Pedro II, lavrada por André Rebouças em 15 de setembro de 1871.