Fomos conhecer, Bete e eu, no último final de semana, a Galeria 3, instalada recentemente na sede da Sociedade Recreativa e Cultural Real Hispano Brasileira a Sociedade Espanhola de Piracicaba, que em importante acordo de cooperação, alugou seu antigo prédio, fundado em 1905, na rua Prudente de Moraes, número 1292 para que nele passem a acontecer atividades culturais, especialmente no campo das artes plásticas.

No local, originalmente, funcionou uma sociedade de mutuo socorro aos imigrantes espanhóis estabelecidos em nossa cidade. E até mesmo uma antiga maternidade.

Mas com o passar do tempo e com dificuldades de manutenção, o prédio foi se deteriorando. O seu tombamento pelo Codepac, Conselho do Patrimônio Cultural de Piracicaba e a força do corpo associativo, que beira uma centena de pessoas, foi revigorando o espaço aos poucos.

Em busca de um espaço para a instalação de um ateliê de artes, as amigas e artistas plásticas Melissa Sanches Pozzi e Ivania Tanaka, que já trabalhavam juntas há anos, depararam-se com o velho prédio no Bairro Alto, e se perguntaram, “porque não?”.

Bateram a porta, foram recebidas pelo presidente da entidade, o advogado Nelson Martinez ,conheceram as instalações e se encantaram rapidamente pelo local.

Em conversa posterior, trouxeram para o grupo o também artista plástico e fotografo, Fernando Andrade. Fizeram proposta de trabalho conjunto entre eles e a Sociedade, através do seu presidente, que aprovou num piscar de olhos a iniciativa.

Enquanto coube ao pessoal da Sociedade uma pintura interna e externa do prédio, para receber o novo projeto, aos artistas foi cabendo cada vez a responsabilidade de ocupa-lo de forma criativa, abri-lo a atividades praticamente diárias com aulas, workshops, apresentações musicais, lançamentos de livros, visitações.

E, em breve, até mesmo um cafezinho será instalado por lá, sob o comando do empresário João Zaina.

A abertura da Galeria 3, foi muito bem scedida. Cerca de 250 pessoas prestigiaram as quase 500 obras expostas ou colocadas num espaço para comercialização que existe por lá. São várias salas disponibilizadas para exposições e aulas.

São artistas de Piracicaba que colaboraram com a iniciativa, alunos e ex-alunos de Melissa e Ivania, que aproveitou seu relacionamento com artistas de outras cidades como Campinas, Ribeirão Preto, São Paulo e montou rapidamente o acervo que lá está disponível para comercialização e exposições que serão revisadas e remontadas periodicamente.

Foi de Ivania Tanaka a ideia de rabiscar uma grande tela, com traços principias do prédio da Sociedade, que artistas coloriram, com várias cores, uma das telas em destaque no acervo da “3”, que reproduzimos nesta página.

E que ficará, por certo, guardado com carinho e memória daquela noite memorável. E da Melissa Sanches, outra ideia singular, a de expor um quadro a partir de histórias de personagens reais, que também reproduzimos aqui. No quadro há dois homens varrendo ruas em São Paulo, um catador de recicláveis e outra varredora de um hospital também em São Paulo.

A obra chama-se Invisíveis, segundo a autora e quer transformar figuras que prestam serviços que muitas vezes não valorizamos. Num dos quadros estão os varredores Dirceu e Mineiro, que limpavam a Rua estados Unidos em São Paulo. Noutro está o Cristiano, aqui de Piracicaba, que carrega recicláveis num carrinho e as vezes faz até duas viagens por dia. E, no terceiro, Dona Rosa, que limpava o quarto do Incor em São Paulo, onde meu marido foi operado do coração.

Advogado formado pela PUC de Campinas, com larga experiência no campo jurídico, Nelson Martinez está muito feliz com o êxito da parceria estabelecida entre os artistas e a Sociedade e deve implementar também, com esta nova vida o espaço, a realização de jantares à base de “paella”, prato tradicional da culinária espanhola, regadas a bom vinho.

Há num dos espaços da velha casa, um que Martinez cuida com carinho especial, o “Bodegon”, um bar/adega na parte baixa do imóvel, que comporta igualmente cafés, jantares, recepções, festas e encontros entre amigos e convidados.

Ele também prepara a abertura de um café no quintal do casarão, que em breve será aberto, incrementando ainda mais o espaço.

Novos Ares

Durante nosso programa de entrevistas com eles, recentemente (ver Serviços, abaixo), mostrei-lhes pessoalmente minha grande alegria pelas tríplices vitórias. Pelo Galeria “3”; pela abertura das portas da Sociedade Espanhola e, especialmente, pelos novos ares que o empreendimento certamente trará a nossa cidade do ponto de vista cultural.

Trata-se, a meu juízo, de uma saudável ousadia, que visa arejar bastante as políticas culturais de nossa cidade, sempre muito dependente do poder público local.

Cujos orçamentos não conseguem dar contas das demandas, especialmente a todos os artistas da cidade que se socorrem do poder público em seus espaços, para suas atividades.

A corajosa iniciativa, passa a dizer a classe artística piracicabana que é possível sim, que todos busquem novos modelos de negócios para suas artes.

E que sigam o novo modelo apresentado, onde os artistas plásticos podem comercializar suas obras de arte livremente, sem o cerceamento das leis impostas pelo poder público, onde comercializar um livro, um quadro, um show, são sempre precedidos de regras, muitas regras que ou impedem a comercialização dos shows, ou cobram alugueres pela cessão dos espaço, ou não permitem que livros, obras de arte e outros itens possam ser comercializados nos espaços públicos.

O rompimento deste paradigma é algo muito bem vindo aos novos tempos para a cultura local. Assim como estão fazendo outros dirigentes de galerias na cidade, como Palmiro Romani, Ésio Pezato, Juliano de Oliveira e dezenas de pintores em cujos ateliês tem sido formadas novas gerações de artistas clássicos e contemporâneos.

Certamente, misturar arte/ensino com café, vai ser uma grande e importante novidade em Piracicaba. E mil vivas a “iniciativa privada” ao campo cultural de nossa cidade!