E as meninas chegaram. Chegaram à presidência e aos principais cargos da Academia Piracicabana de Letras, que na sexta feira dia 30 de maio, deu posse a nova diretoria, sob o comando, pela segunda vez em sua história, de uma escritora. A paulistana, professora Raquel Delvage assumiu publicamente o cargo, em noite memorável na Biblioteca Municipal de Piracicaba. Ela que idealizou a Festa Literária de Piracicaba, que chega esse ano a sua sexta edição, participou de mais de 25 coletâneas, tem livros publicados e até virou roteiro de um filme, patrocinado pela Universidade Federal de Goiás, entre outras importantes contribuições para os movimentos literários locais.
Foi ela que, num passado recente, se insurgiu, ao lado das escritoras da cidade, para que a Flipira não fosse encampada em sua totalidade pelo poder público local, com o intuito de oficializar demais uma festa que, no ano passado recebeu mais de seis mil visitantes, 63 autores e quase 150 livros lançados, de autores locais, regionais e de outras cidades do Estado de São Paulo.
Sua participação também tem sido comemorada em atividades do Clip, Golp, nas reuniões mensais; nos Saraus promovidos igualmente pelos grupos literários locais e em outras importantes ações junto ao Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba e outras entidades co-irmãs.
Sua prioridade, apresentada no discurso de posse, foi a de conquistar um espaço definitivo para que a Academia Piracicabana de Letras tenha endereço, possa realizar suas reuniões periódicas, guardar seu acervo, construído ao longo dos 53 anos, como sendo necessária para a consolidação das ações que serão realizadas doravante.
A nova composição inclui o vice-presidente Vitor Pires Vencowsky, a primeira-secretária Elisabete Jurema Bortolin, a segunda secretária Ivana Maria França de Negri, a primeira tesoureira Carmen Maria da Silva Fernandez Pilotto e o segundo tesoureiro Edson Rontani Júnior. A diretoria conta ainda com o jornalista responsável Evaldo Vicente e a diretora de acervo Christina Aparecida Negro Silva.
Integram o conselho fiscal os membros Antonio Carlos Fusatto, Bianca Teresa de Oliveira Rosenthal e Cássio Camilo Almeida de Negri. Já o conselho editorial é formado por Aracy Duarte Ferrari, Eliete de Fátima Guarnieri, Leda Coletti, Lídia Varela Sendin e Maria de Lourdes Piedade Sodero Martins.
Com essa equipe, com 10 mulheres e cinco homens, todos com larga tradição no movimento literário da cidade, compõem parcela significativa da intelectualidade piracicabana, mantenedora e guardiã das tradições em prosa e verso. E vamos à primeira batalha, a sede própria para a entidade.
Nos anos 70 com João Chiarini
A primeira Sessão Solene de posse da Academia Piracicabana de Letras foi conduzida pelo jornalista, advogado e folclorista João Chiarini, um dos grandes impulsionadores da cultura local, a partir de sua pioneira livraria “Pilão”, localizada onde hoje se encontra a Galeria Brasil, no centro da cidade. Ela foi realizada no auditório principal da antiga Faculdade de Odontologia de Piracicaba, na Rua D. Pedro II, 627, na região central da cidade, sob a direção da Unicamp. Hoje o local, embora mantenha uma Museu da Memória da categoria dos dentistas, com equipamentos, revistas, jornais da época, livros, mantém-se impróprio para utilização de atividades culturais de nossa cidade. Lamentavelmente.
No ano de 1973, eu era um jovem presidente do Centro Cívico da escola “Sud Mennucci” e com meus amigos daquela jornada, promovemos o I e o II Festival de Poesias Thales de Andrade. Chiarini fez o convite ao velho mestre para que cedesse seu nome para dignificar o nosso evento. Em caravana, fomos a São Paulo, vários integrantes da nossa diretoria na época, para convidá-lo oficialmente para a abertura do nosso Concurso de Poesias, em sua residência na Travessa Abril, 258, no bairro de Indianópolis, como está subscrito no envelope que nos remeteu a carta que se segue Ele disse que viria, mas visivelmente já debilitado com sua saúde, não veio. Mas nos enviou uma carta, que tomo a liberdade de divulgar hoje aos leitores da nossa folha, datada de 12 de novembro de 1973. Ei-la:
“Mui prezado Adolpho Carlos Françoso Queiroz, emérito e benquisto presidente do Centro Cívico do Sud Mennucci. Recebi seu gentil ofício, comunicando-me a realização do Concurso de Poesias por estudantes do excelso Centro, concurso no qual me alcandoram dando-lhe, outra vez, meu nome. É notável essa obra devotada às belas letras, glorificadora de uma plêiade de alunos do consagrado “Templo do Saber”.
Há um mundo de generosidade, magnanimidade e altruísmo quanto à denominação que lhe deram. Sou-lhes gratíssimo pela eloquente honraria. Recebo-a, com ao de irmãos: lideradores confrades, oriundos do mesmo educandário. O galardão a mim outorgado torna-me eufórico juntando as venturas de escritor e mestre escola colhidos.
Ó céus! Como corresponde-lo?
Nenhum esforço pouparei a fim de assistir à solenidade de “premiação’.
Thales Castanho de Andrade, S. Paulo, 12/11/1973”.
Guardo com carinho o original desta carta do mestre Thales.
Mas, voltemos à noite da posse…
Traços históricos da Academia Piracicabana de Letras
Em discurso emocionado, o orador da noite, João Baptista de Souza Negreiros Athayde destacou pontos importantes da idealização e dos caminhos traçados pela Academia até aqui. Com a gentileza do autor em ceder-nos a peça, vai sua publicação na integra.
“A Academia Piracicabana de Letras completou 53 anos no último dia 11 de março.
Já mais de meio século nos distancia daquela noite festiva realizada no Salão Nobre da Faculdade de Odontologia de Piracicaba onde, sob a liderança do professor e advogado João Chiarini, ocorreu sua fundação, concretizando um sonho desse grande piracicabano, gestado desde os balcões de sua livraria O Pilão.
No seu começo, a Academia não seguiu os ko9oldes rígidos da Academia Brasileira de Letras, com número fixo de membros titulares, pois tinha o objetivo de congregar os talentos literários de escritores piracicabanos e de outras localidades, tanto que o ex-presidente Juscelino Kubitscheck, recebeu o diploma de Acadêmico, no final dos anos 70, ocasião em que já se encontrava cassado em seus direitos políticos pelo regime militar.
Seus estatutos tiveram uma primeira reforma em 1986 e a seguir em 1990, quando houve reformulação em sua estrutura, passando a seguir o modelo da academia Brasileira de Letras, com 40 membros titulares.
Tal modo persistiu quando da reforma estatutária de 2005 e, por último, em 2022, ora em vigor.
Vale ressaltar que a APL, não obstante suas várias reformas estatutárias, manteve e mantém seus objetivos principais, cotados ao incentivo à produção literária, realização de pesquisas e estudos sobre literatura, seminários, etc, orientada sempre pela visão primordial da importância da arte literária no contexto do desenvolvimento humano e social.
É justamente essa dimensão da arte literária que fala alto ao espírito de cada um de nós, quando procuramos compreender em profundidade as consequências da História.
A literatura é o espelho de uma época.
Essa frase que aprendemos com os professores de português dos colégios mais antigos, é bem explicativa dessa importância da arte literária para a compreensão das verdadeiras dimensões dos fatos históricos, e de seu peso sobre a vida das sociedades, em qualquer tempo e em qualquer lugar.
Realmente, como poderíamos entender os dois lados da evolução que derrubou a Bastilha, em 1789, se não lêssemos “um conto de das cidades”, de Charles Dickens; como haveríamos de saber o que houve após a evolução da França, se não tivéssemos lido “Os miseráveis”, de Vitor Hugo; e como imaginaríamos a França do século XIX se não tivéssemos lido “Germinal”, de Emile Zola?
Como poderíamos entender a Guerra da Secessão nos estados unidos, se não tivéssemos lido “A cabana do pai Thomas”, de Harriet Becker Stowe?
E como avaliaríamos a escravidão no Brasil sem ter lido “O navio negreiro, o Vozes d´ África, a Cruz da Estrada, de Castro Alves; e como saberíamos do Brasil tornado República, se não lêssemos Os Sertões de Euclides da Cunha?
O que saberíamos do Brasil do século XX, sem termos lido “O Quinze”, de Rachel de Queiroz ou “A Bagaceira de José Américo de Almeida, e nem tivéssemos ido o “Vidas Secas” de Graciliano Ramos?
Bem, vemos que em todas as épocas, em todos os lugares, a literatura sempre mostrou verso e reverso dos fatos históricos e o peso das transformações socias justas ou injustas trazidas com eles, e o fez sempre através da visão dos personagens de um romance, através de suas lutas, de seus sofrimentos, de suas dores, ou mesmo através do lirismo dolorido de seus poetas.
E, por isso mesmo, porque exerce esse poder de comoção em nossos sentimentos, a literatura também é geradora de ideias e ideais de transformação em busca de um tempo que melhor corresponda aos anseios de felicidade e justiça coletiva.
Que vivam, portanto, os grupos literários e as academias enquanto promoverem a fertilização das searas dos talentos capazes de sonhar a construção de um tempo que seja de felicidade e justiça para todos, como vaticinou o profeta Isaias.
Vida longa, pois, ao Grupo Oficina Literária de Piracicaba, ao Centro Literário de Piracicaba e à Academia Piracicabana de Letras.”