O ano de 2024 marca os 110 anos de criação da primeira agência de publicidade no Brasil, “A Eclética”, de João Castaldi e Jocelyn Benaton e os 60 da edição de um dos livros pioneiros sobre o campo, “A propaganda antiga”, apontado como um dos 100 livros mais importantes para o campo da comunicação, de José Roberto Whitaker Penteado, que viveu em Águas de São Pedro, temas distintos e complementares que ensejam este artigo, mostrando de que forma o campo profissional começa a se estabelecer no país, bem como a iluminar a atividade de pesquisa com a edição de livros sobre o assunto, até então um privilégio das traduções de autores norte-americanos e ingleses.
Em 1974, outro pioneiro, José Roberto Whitaker Penteado, publicou o livro “A propaganda antiga”, fazendo relatos saborosos sobre o jeito de comunicação construído pelos publicitários portugueses. Trata-se de um profissional construindo uma contribuição no campo acadêmico, ao nos legar um livro com linguagens apropriadas da propaganda naquele período.
O livro foi inspirado provavelmente na obra de Gilberto Freyre, que retratou a venda de escravos no Brasil através de pequenos anúncios de jornais, como relata o autor. Freyre escreveu um livro interessantíssimo, onde traça o perfil sociológico do Brasil no Século XIX, através de anúncios e da reprodução de certo tipo de noticiário dos jornais da época. O livro “O escravo nos anúncios de jornais brasileiros”, reeditado em 2010 pela Editora Global, é um clássico, que mostra a realidade dos escravos africanos no Brasil nos anúncios publicados em jornais do século XIX que anunciavam a venda, a compra e a fuga de escravos. Freyre foi um dos primeiros intelectuais a alertar para a riqueza desses anúncios como fontes documentais para nos aproximar do universo do cotidiano dos escravos. E naquele livro, reuniu em sua pesquisa cerca de 10 mil anúncios retirados de jornais do século XIX, como Diário de Pernambuco (Recife), Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), entre outros.
É também de Whitaker a informação de que, relendo a coleção da “Gazeta de Lisboa”, do ano de 1830, longe de nós qualquer pretensão de fazer sociologia… O que nos move é aquele “espírito publicitário”, que nos fica na alma, mesmo depois de nos havermos desligado da profissão.
Enquanto viveu em Portugal, entre os anos 1960 e 80, Whitaker publicou várias obras, entre elas, a interessante “A propaganda antiga”. A capa do livro é assinada por Jairo Porfirio (pseudônimo Afrânio), em formato de charge mostrando um baile sob o olhar da realeza do país. Há inúmeras ilustrações durante as 302 páginas da obra, provavelmente de outro autor cujas iniciais parecem JMZ, mas não identificado pelo autor da obra e nem por este articulista.
O livro faz uma releitura de anúncios antigos no jornal português, distribuídos em capítulos que variam apenas o mês da publicação, indo de janeiro a dezembro. Trata-se de uma coletânea de ações comerciais desenvolvidas na época, com especificidades e particularidades de redação para cada caso. Comentadas sempre com um certo bom humor por Whitaker.
A obra começa a despertar a atenção pelo cenário em que transcorrem. As calçadas, ruas, colégios, largos, travessas, cais, praia, paços, palácios, entre outros de Lisboa e fora dela, onde acontecem os fatos relatados pelo autor e publicadas pelo jornal escolhido. Alguns nomes continuam incomuns aos olhares contemporâneos para a nova paisagem urbana tanto de Lisboa como do restante do mundo, a saber : Rua do Arco do Cego, Travessa da Cera, Rua das Olarias, Rua do Chiado, Beco da Lebre , Cerca das Religiosas, Rua dos Confeiteiros, que já remete a nossa imaginação direto ao século XIX, pelo título e pelas “especialidades profissionais” de então, como a dos oleiros ou confeiteiros, homenageados com pompas naqueles dias e engolidos por novas profissões do século XXI, nem sempre homenageadas com ruas, praças ou avenidas.
Depois disso, Whitaker faz entrar em cena nomes nem sempre verdadeiros dos prováveis anunciantes da época. Eram individualmente os profissionais como o corretor de imóveis, o dono da botica (farmácia), o mestre ferrador, o relojoeiro, o serralheiro, chapeleiro, fabricante de móveis, vendedor de graxa de sapatos que acorriam à imprensa de então para anunciar especialmente seus serviços e produtos à sociedade portuguesa daquele período.
E escolhe, aleatoriamente, profissões e profissionais, para ir construindo a sua obra. A começar pelos anúncios do campo imobiliário, presentes desde então, como este exemplo de anúncio localizado no jornal em janeiro:
“Quem tiver propriedades rusticas ou urbanas (que sejão desembaraçadas), e as queira vender, pode dirigir-se a Diogo Roberto Higgs, rua dos Fanqueiros, nº 131, 2º andar; que debaixo da boa-fé, e com as costumadas diligencias em benefício dos interessados, espera desempenhar à satisfação dos mesmos, os negócios que lhe confiarem”. (Mantida a grafia da época).
Mais adiante o autor explica que “fanqueiro” é nome de comerciante de fazendas de algodão, linho, lã e etc. A botica virou farmácia, a farmácia virou “drugstore” e o marketing moderno transformou as velhas pomadas para frieiras num negócio que movimenta milhões de dólares. O alfaiate e a costureira de ontem estão escondidos nas modernas confecções que fazem do tecido, alta costura, marca, grife e igualmente royalties.
Quem mudou pouco foi o anunciante dos imóveis. Os pequenos anúncios dos nossos jornais continuam, com este tipo de segmento de prestação de serviços, uma parceria duradoura e indispensável. Nem mesmo a internet, com a sua velocidade e agilidade, conseguem derrubar das páginas dos jornais impressos os anúncios classificados para vender ou alugar imóveis.
O surgimento da primeira agência de publicidade no país trouxe consigo a profissionalização do campo. Aos pioneiros devemos reverenciar a coragem e o empreendedorismo que superaram obstáculos, preconceitos e trouxeram um alto grau de criatividade nas relações entre o comércio e a indústria, os veículos e os profissionais. Hoje a publicidade movimenta boa parcela do PIB brasileiro, é reconhecida internacionalmente pelas suas qualidades e tem sua utilização largamente difundida.
Seu filho, José Roberto Whitaker Penteado Filho, foi também publicitário e um dois idealizadores da Escola Superior de Propaganda e Marketing em São Paulo, com muitos livros publicados na área.