Conheça um pouco da história da gravação que levou Piracicaba a ser conhecida no Brasil inteiro
Piracicaba é conhecida nacionalmente pela beleza do rio que lhe empresta o nome, pelo Engenho, a famosa Rua do Porto e por uma gravação que, invariavelmente, é ouvida em qualquer lugar que você esteja. Do interior de São Paulo à capital e em diversos outros Estados, não será difícil ouvir “Olha aí, olha aí freguesia…”.
O Piracicaba Hoje relembra, nesta edição, uma reportagem feita em 2018 que conta a história da gravação e responde duas perguntas: tem mesmo tanto local vendendo pamonha na cidade e, quem é mais famosa, a pamonha ou gravação que anuncia a venda do produto?
Além das barracas próximas à Passarela Pênsil, na Avenida Beira Rio, e no mercado municipal, não será tão fácil encontrar um local que venda o quitute. Essa é uma constatação intrigante, se levarmos em conta que aqui continua sendo a terra da pamonha.
A pamonha tem origem na cultura indígena. Vem do tupi, “pa’muñã”, que em português significa pegajoso. Em Piracicaba, sua grande arrancada no gosto culinário local data da década de 1950, quando passou a ser comercializada – não somente a pamonha, mas outros derivados do milho, como o curau, o creme, e por aí vai.
Mas o que a tornou famosa em todo o País? O sabor, claro, mas a gravação se espalhou por todos os lugares muito antes do advento da internet.
Provavelmente, desde que começou a ler esse texto você deve ter se lembrado do bordão inteiro:
“Olha aí, olha aí freguesia. São as deliciosas pamonhas de Piracicaba. Pamonhas fresquinhas, pamonhas caseiras. É o puro creme do milho verde”.
E isso nos ajuda a compreender melhor como a cidade ganhou a fama que tem.
O dono da voz é o finado Dirceu Bigeli. Nos anos 1970, ele vendia pamonhas rodando com seu carro. Cansado de gastar saliva e voz anunciando os produtos, resolveu tornar as coisas mais práticas. Foi a um estúdio no bairro da Paulista e preparou uma fita cassete caprichada. Os dizeres eram agora repetidos várias vezes, sempre intercalados por músicas.
Senão ficava muito monótono”, explica o irmão, Airton Bigeli, que também se aventurou com as pamonhas, usando uma cópia da fita.
Dirceu era exigente com a qualidade das gravações. Refazia o material quando a insatisfação lhe saltava aos ouvidos. Nesses casos, procurava o responsável pelo estúdio a hora que fosse, inclusive tarde da noite! Assim chegou ao texto que se consagrou pelo país – o mesmo do qual fora pinçado o trecho acima citado (que deve ter vindo a sua cabeça quando começou a ler esta matéria). Tal qual o significado de “pamonha” no tupi, o resultado saiu acertadamente “pegajoso”.
Airton conta que outros vendedores arriscaram gravações similares, mas a ineficiência os levava a recorrer à de seu irmão.
Até hoje muitas pessoas tentam falar do jeito dele. Mas se eu escutar um pedacinho, de longe, sei que é ele quem está falando. É inconfundível!”, diz.
Os negócios vingaram, e Dirceu chegou a ter uma frota de carros preparados para vender pamonha – Belina, Fiat 147, Passat, Zé do Caixão, Brasília, TL, etc. Recrutava vendedores, e todos rodavam por cidades de São Paulo e de outros estados. Centenas de cópias da fita foram espalhadas. Dessa maneira, o sotaque e o nome de Piracicaba cruzaram o país e reforçaram, como nunca, a imagem de terra da pamonha.
Já se ouviu a voz de Dirceu do Sul ao Nordeste. O tal cassete tornou-se antológico. Até mesmo Washington Olivetto aproveitou o que se pode chamar de jingle das pamonhas. O publicitário quis engrossar o coro da celebração pelos dez anos de sua agência, a W/Brasil, em 1996.
O talento de Dirceu não se limitou a registrar algo tão pitoresco. O homem também tinha carisma e tino para o negócio. Era bom mesmo. “Meu irmão chegou a vender, em um dia, mil pamonhas. Vender como ele era difícil”.
Airton recorda uma passagem com dona Vasti Rodrigues, uma das principais fabricantes de pamonha e pioneira na comercialização. Num dia em que o irmão não planejava sair para vender, a pamonheira apareceu em sua casa com uma cesta cheia. ‘Pelo amor de Deus, Bigeli, tem 600 pamonhas aqui!’, insistiu.
Ele acabou saindo e, em cerca de quatro horas, voltou sem nenhuma pamonha”, conta Airton.
No final de 1990, após circular por Capivari com seu TL carregado do quitute, Dirceu pegou a Rodovia do Açúcar rumo a Piracicaba. Mal havia entrado na estrada quando colidiu de frente com um caminhão. Não resistiu aos ferimentos e morreu, aos 39 anos de idade. O choque foi tão violento que o carro ficou irreconhecível. Airton conta que havia um passageiro, alguém que estava ali para ajudar nas vendas e que saiu praticamente ileso – “ninguém sabe quem é”.
A tragédia levou uma figura emblemática de Piracicaba, mas não cessou seu legado. A gravação de Dirceu Bigeli virou um patrimônio popular piracicabano não oficializado. Mantém vivos o nome e a fama da cidade até quando já não se encontra pamonha como antes. Portanto, sempre que você saborear o doce, lembre-se do valor cultural que tem nas mãos.