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⭐ Piracicaba, 3 de junho de 2025 ⭐

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Foto de Dr.ª Juliana Previtalli

Dr.ª Juliana Previtalli

Cardiologista e ecocardiografista

Meu amigo Paulo Prado

 

Na noite de sábado, Paulo Augusto do Prado estacionara o Uno azul defronte ao portão da casa dos pais da Vanessa. Rita saíra do carro, tocara a campainha e entrara. Os amigos haviam combinado de sair. Enquanto as aguardava, Paulo fumou um dos últimos cigarros do maço quando avistou uma barata cascuda no painel do carro. De súbito, como que ouvindo o capeta lhe sussurrar, abriu o maço, pôs a barata dentro e fechou-o. Quando as meninas voltaram, ofereceu um cigarro a Rita. O que se seguiu foram gritos, tapas e impropérios.

Recorda-se do primeiro trago num cigarro Galaxy, quando matou aula no Colégio Barão e, com uma amiga, foi à inauguração do Shopping Piracicaba. O ano era 1987. Sentira tanta moleza que adormecera no colo da colega.  Em casa, ele e a irmã, Marisa, usavam folhas de caderno para enrolar cigarros com o fumo do cachimbo do pai. Os jovens adolescentes da década de 1990 reuniam-se nas calçadas do restaurante Flamboyant, na esquina da avenida Saldanha Marinho com a rua Bom Jesus, onde, hoje, se encontra a Padaria do Vovô. Entre eles, promotoras de vendas distribuíam amostras grátis de cigarros Free. Eu também ganhei o meu e rodeamos Paulo para vê-lo soltar fumaça no formato de rosquinha. Dentro das danceterias, sempre abarrotadas — as famosas Croco e Mr. Dandy —, Paulo circulava com o braço erguido, segurando o cigarro entre os dedos, para não queimar as pernas das moças — hábito que persistiu a vida inteira. Nos intervalos entre as aulas no colégio CLQ, a turminha descia até os eucaliptos, no pátio, para fumar escondido. Todos experimentavam: Paulo, Vanessa, Rita, Nishi, Dan, Fabiana e eu. De todos esses, três tornaram-se fumantes regulares.

Paulo vivia despreocupado, apesar de estudioso, cursando Direito no Largo de São Francisco. Aproveitava a liberdade repentina que a vida estudantil lhe trouxera. No Carnaval, alugávamos casas de temporada na Ilha Bela para todos nos encontrarmos. Naquelas tardes quentes, Paulo fumava e passava o cigarro aceso, preguiçosamente, pelos pés, a Nishi, deitados nos sofás.

Advogou, por catorze anos, na KLA. Especializou-se em Direito Público Administrativo e regulação pública e ambiental. O escritório na Avenida Faria Lima, em São Paulo —a Wall Street brasileira — obrigava-o a descer dezenove andares, a intervalos, para fumar ao ar livre, mesmo se estivesse sozinho, tarde da noite. Paulo seguia as regras. Voltou a residir em Piracicaba em 2022 quando Zezé, a mãe, com Alzheimer avançado, passou a requerer cuidados constantes. O pai falecera, há muitos anos, em casa, vitimado por um infarto do miocárdio. Nunca parara de fumar o cachimbo.

Na véspera do Natal de 2024, com as malas dentro do carro para visitar Marisa, em São Paulo, resolvera, antes, passar no pronto atendimento do Hospital Unimed — sentia indigestão e incômodo no peito. Mas, no caminho, parou para abastecer o carro e fumar dois cigarros. Depois da avaliação inicial, recebeu a pulseirinha amarela, fez eletrocardiograma e colheram-lhe as enzimas cardíacas. Surpreendeu-se quando lhe disseram que deveria permanecer internado para fazer um cateterismo — sofrera um infarto.

Os fumantes apresentam três vezes mais chances de um infarto do que quem não fuma. A nicotina danifica a parede das artérias, levando à formação de placas de gordura —arteriosclerose; contribui para a formação de coágulos, aumentando o risco de trombose, além de constringir os vasos sanguíneos e de elevar a pressão arterial. O tabagismo associa-se, diretamente, a 25% dos casos de infarto agudo do miocárdio e à quase metade dos derrames cerebrais.

Visitei-o na UTI, no dia seguinte, agoniada com o amigo solteiro e despreocupado. Avisei-o que deveria parar de fumar e obedecer à prescrição dos medicamentos. Obedeceu-me.

Dois meses depois, Paulo e eu descemos o rio Piracicaba no tradicional passeio de boia; ele viu o sol nascer enquanto tomava o café da manhã e contemplava a paisagem piracicabana do alto de um balão; pela Internet, comprou um pacote para aprender a surfar na Praia da Lagoa, em Florianópolis. Lá, tomou consciência corporal quando se sentiu semelhante às morsas do canal Animal Planet, tentando se posicionar deitado na prancha — engordara seis quilos depois que tratou o tabagismo. Pretende resolver esse probleminha: adquiriu um voucher de quinze dias para utilizar no Spa Med Sorocaba.  As aulas de hidroginástica e de bike indoor, Paulo não garante que as faça, mas as massagens, todas.

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