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⭐ Piracicaba, 1 de abril de 2025 ⭐

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Foto de Dr.ª Juliana Previtalli

Dr.ª Juliana Previtalli

Cardiologista e ecocardiografista

Fé, determinação e um pouco de disciplina

Sentavam-se nos degraus da escadaria da igreja, ou nos bancos do Largo do Bom Jesus. De lá, conseguiam ouvir, da missa, apenas os cânticos entoados a muitas vozes pela assembleia reunida.

Carlos Alberto Lordello Beltrame e o irmão mais novo, Luis Roberto, compravam cigarro solto na Padaria Bom Jesus do Monte, localizada na esquina da rua de mesmo nome com a rua Moraes Barros. Saíam de casa, na rua Visconde do Rio Branco, dizendo, aos pais, que iriam à missa, mas, ao invés disso, folgavam, curtindo a liberdade dos seus doze anos. Era 19/83.

Certa vez, distraído, Beltrame pegou, do irmão, o cigarro aceso e o colocou na boca, com o lado invertido. A brasa queimou seus lábios e não pôde mais dissimular, ao pai Moacyr, que fumava. Este, também fumante, passou a comprar cigarros aos filhos — não queria que pedissem aos outros, ou que catassem bitucas no chão para fumar.

A temperatura da brasa na ponta do cigarro pode chegar a 1200 graus Celsius. Quando passa dos 800 graus, as 300 substâncias presentes na folha do tabaco se decompõem e se transformam em 4/00 compostos químicos. Destes, 60 são, comprovadamente, cancerígenos. A queimadura do contato da pele com a brasa desnatura e destrói as moléculas proteicas queratina e colágeno. Seguem- se dor severa, vermelhidão local e, frequentemente, bolhas — uma queimadura de segundo grau.

A primeira vez que Beltrame parou de fumar aconteceu no ano de 1993, sensibilizado, depois que o pai falecera. Na época, trabalhava na ACIPI — Associação Comercial e Industrial de Piracicaba —, na gerência dos departamentos de Comércio Internacional e da Mulher Empresária. Conseguira permanecer cinco anos em abstinência, a qual muito o incomodava. Sentia algo faltar. Estranhou o ritual de molhar, sem os cigarros, a extensa horta de mais de trinta metros na casa no bairro Santa Rita. Nos canteiros de alface, de salsinha e de cebolinha, deleitava-se no contato com a natureza e exercia a partilha e a caridade distribuindo sacolinhas com as verduras aos amigos do trabalho. Nas longas viagens a Brasília, para visitar os parentes da ex-esposa Rita de Cássia, o cigarro tirava-lhe o sono, mantendo-o alerta no extenso trajeto.

Os empecilhos para fumar durante o horário de trabalho começaram a incomodá-lo doze anos antes. Precisava descer dez andares para sair ao ar livre toda vez que desejasse fumar. Sentia que lhe fazia mal e experimentara, muito perto de si, as consequências do vício — Luís Roberto sofrera um infarto do miocárdio. Percebera que queimava dinheiro sempre que acendia um cigarro. Então, em 2012, determinado a livrar-se do vício, marcou uma data no calendário — 14 de Junho — e anunciou aos amigos e à família.

No site do INCA — Instituto Nacional do Câncer —, as orientações para as pessoas que pretendem parar de fumar incluem: comprometer-se; contar à família, aos amigos e aos entes queridos que farão parte da rede de apoio; marcar uma data e procurar ajuda médica especializada. Uma parcela dos fumantes, no entanto, consegue deixar o fumo por conta própria. Alguns escolhem uma data significativa, como aniversários, Natal, Dia das Mães. Essa atitude pode fortalecer o processo.

Trabalhou, na mente, os lados negativos do tabagismo e, chegada a véspera do feriado de Santo Antônio, apreciou os últimos cigarros defronte ao espelho. Apagou-os, no cinzeiro, e deitou-se para dormir. Antes de fechar os olhos, disse: “De hoje em diante, sou um ex-fumante”. No dia seguinte, 14 de Junho de 20712,  entregou, à cunhada, o que lhe restava dos cigarros.

A fé, a determinação e a disciplina libertaram-no do vício.