Foto: Fabrice Desmonts
A alta nos casos de violência contra a mulher durante a quarentena do novo coronavírus preocupa as parlamentares que integram a Procuradoria Especial da Mulher, da Câmara de Vereadores de Piracicaba. Adriana Cristina Sgrigneiro Nunes (foto), a Coronel Adriana, vê “aumento considerável” nas notificações apuradas no Estado e no município e Nancy Thame (foto) avalia que o total de registros oficiais de agressões, embora mais alto que a média de meses anteriores, pode ainda estar abaixo do número real, por causa da subnotificação.
Dados da Secretaria Estadual de Segurança Pública mostram que em São Paulo, na comparação de março com fevereiro deste ano, houve crescimento nos casos de feminicídio (de 18 para 20), tentativa de homicídio (de 32 para 39), maus tratos (de 23 para 28) e constrangimento ilegal contra mulheres (de 14 para 53). A quarentena em todo o Estado, decretada pelo governo paulista, passou a valer em 24 de março.
Já um levantamento feito pelo Ministério Público de São Paulo e reproduzido pela Assembleia Legislativa apontou que, no mês passado, foram expedidas 2.500 medidas protetivas em caráter de urgência, contra 1.934 em fevereiro. Já o total de prisões em flagrante por casos de violência doméstica subiu de 177 para 268 no mesmo período.
“Lamentavelmente, o aumento no número de casos de violência doméstica é uma realidade, especialmente nesse período de isolamento social, quando muitas mulheres se veem confinadas no mesmo espaço de seu habitual agressor. A situação já era bastante preocupante antes dessa fase de pandemia e agora é muito mais, devido às restrições de mobilidade e, muitas vezes, de comunicação, em que a vítima fica refém do agressor”, aponta Nancy Thame.
Coronel Adriana observa que o “aumento considerável” de casos de violência contra a mulher verificados no Estado não difere do cenário traçado pelos dados do serviço Patrulha Maria da Penha, da Guarda Civil Municipal.
As 153 medidas protetivas expedidas (quando configurada a violência contra a mulher), os 10 flagrantes realizados (para averiguação do descumprimento das medidas protetivas) e as 4.861 rondas efetuadas no primeiro trimestre de 2020 já correspondem, respectivamente, a 29%, 33% e 33% dessas mesmas ações em todo o ano passado.
“Por esses números, fica claro que algo não está correndo bem no seio das famílias piracicabanas. Verifica-se que algo tem que ser feito, e agora, para que esses números não sejam ainda maiores nesse período [de quarentena]”, comenta Coronel Adriana, que classifica a questão como “urgente”.
Embora os dados oficiais já denunciem o aumento da violência contra a mulher, a subnotificação também preocupa, visto que nem todos os casos são notificados pelas vítimas, por razões históricas de medo, coação e, inclusive, falta de acesso à internet, já que durante a pandemia do novo coronavírus o registro das ocorrências passou a ser predominantemente virtual.
“Por mais que as ações de proteção estejam sendo realizadas pelas instituições ligadas à segurança e à justiça, há grande dificuldade para acessar as informações sobre o número real de casos, devido ao confinamento e à subnotificação, de modo que ele pode ser ainda mais alarmante”, comenta Nancy Thame.
A vereadora destaca que o tema pauta a atuação da Procuradoria Especial da Mulher da Câmara. “Temos trabalhado com grande empenho para contribuir para a melhoria desse panorama. Uma das conquistas foi a aprovação da lei 9.182, de 2019, que dispõe sobre as diretrizes para a política de enfrentamento à violência contra a mulher e a consolidação da rede de prevenção, atendimento e proteção”, lembra Nancy, acrescentando que falta ao Executivo regulamentar a norma.
Ela e Coronel Adriana apontam a importância crescente, neste momento, da Rede de Atendimento e Proteção à Mulher, movimento que, há mais de dois anos, integra diversos órgãos, instituições e coletivos femininos para planejar estratégias que possibilitem oferecer apoio às vítimas e levar informações e conscientização à população. Coordenado pela Procuradoria Especial da Mulher da Câmara e pelo Conselho Municipal da Mulher, o grupo reúne-se mensalmente para aprimorar a articulação dos serviços e o alinhamento entre eles.
“Com a adesão voluntária de diversos profissionais dos serviços de atendimento à mulher em situação de violência, bem como de outros serviços públicos municipais e estaduais, universidades, coletivos, ONGs e conselhos, conseguimos avançar bastante, acessando os dados e propondo a ampliação das políticas públicas”, detalha Nancy Thame, citando como exemplos das iniciativas do grupo a elaboração de uma cartilha, o apoio a cursos de capacitação e a apresentação de demandas ao Poder Executivo local.
Coronel Adriana destaca que a Rede de Atendimento e Proteção à Mulher soma-se a iniciativas como a Patrulha Maria da Penha, a aquisição de equipamentos como ‘botões do pânico” e o aplicativo SOS Mulher, da Polícia Militar de São Paulo. “Essas políticas públicas otimizam o atendimento às mulheres, dando-lhes poder ao fazer com que creiam na eficácia e efetividade dos equipamentos de proteção e, com isso, denunciem mais, diminuindo a subnotificação e mostrando a verdade de que a violência vem de dentro das casas e reverbera nas ruas de todo o país.”
Carolina Angelelli conta que o Conselho Municipal da Mulher, do qual é a presidente, tem se mobilizado para coletar informações nos órgãos que servem como “porta de entrada” das vítimas de violência, como a Delegacia de Defesa da Mulher e a Defensoria Pública, para, em posse delas, atualizar as pessoas, pela internet, sobre o funcionamento desses serviços durante a quarentena.
“Os números do Estado são alarmantes. É preocupante porque as mulheres estão vulneráveis. A família fica em isolamento, muitos aumentam o uso de bebida alcoólica; a falta de recursos financeiros é um dos motivos que fazem acirrar os ânimos. É preciso mudar uma cultura machista, que, diante de fatores como esses, fica mais agravada. Temos que lutar pela educação, para tentar contornar isso lá na base”, comenta Carolina.