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⭐ Piracicaba, 7 de outubro de 2024 ⭐

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Em um ano, 221 crianças foram registradas apenas com o nome da mãe em Piracicaba

apenas com o nome da mãe

No 1º quadrimestre foram 1.682 nascimentos com 70 pais ausentes, ante 1.670 nascimentos e 64 pais ausentes no mesmo período de 2021

José Lucas de Nada é o nome de um dos personagens da novela da TV Globo Pantanal, personagem interpretada por Irandhir Santos. O sobrenome De Nada não é alguma brincadeira de mau gosto. Trata-se de um filho de pai desconhecido. O drama traz à tona uma condição que atinge diversos recém-nascidos diariamente.

Em Piracicaba, no período de 30 de abril de 2021 a 29 de abril de 2022, os cartórios registraram 4.853 nascimentos, dos quais 221 crianças ganharam uma certidão de nascimento apenas com o nome da mãe.  No mesmo intervalo, houve apenas 61 reconhecimentos de paternidade.

No quadrimestre encerrado em 30 de abril, foram 1.682 nascimentos com 70 pais ausentes, ante 1.670 nascimentos e 64 pais ausentes no mesmo período do ano passado. Nesse recorte de tempo, foram registrados em Piracicaba 27 reconhecimentos de paternidade em 2021 e 21 em 2022.  No Estado de São Paulo, nesse intervalo, foram registradas 10.065 crianças somente com o nome materno.

Os dados estão disponíveis no módulo do Portal da Transparência do Registro Civil, denominado Pais Ausentes, lançado no mês de março, e que integra a plataforma nacional, administrada pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), que reúne as informações referentes aos nascimentos, casamentos e óbitos registrados nos 7.654 Cartórios de Registro Civil do Brasil, presentes em todos os municípios e distritos do país.

O crescimento do número de mães que registram os filhos apenas em seu nome mostra o quanto ainda é necessário um trabalho de conscientização dos pais, que são igualmente responsáveis pela criação de seus filhos, tanto no que se refere ao amor, como também às responsabilidades”, diz Gustavo Renato Fiscarelli, vice-presidente da Arpen-São Paulo.

Para a psicóloga Mariana Bília Arthur, especialista em psicologia clínica, é preciso olhar com crítica para a cultura e ‘estrutura social que permite essa desresponsabilização dos homens, bem como os efeitos desse comportamento deles na vida das mães solo’.

A nossa sociedade é estruturada de um modo que direciona todas as responsabilidades referentes aos cuidados às mulheres. Desde os métodos contraceptivos, os cuidados com a gestação, com os filhos, com a casa, com a família, no geral, ao mesmo tempo em que desresponsabilizam os homens por cuidar do seu entorno e das relações que estabelecem. Esses dados nada mais são do que o reflexo de uma estrutura social patriarcal e machista que não olha com crítica para o abandono de mulheres e crianças”, diz.

Mariana Bília Arthur é especialista em psicologia clínica

Ela lembra que a própria maternidade pode ser considerada um fator de vulnerabilização para mulheres.

“Elas ficam mais propensas à dependência financeira, é um período da vida em que as mulheres mães estão em situação de maior isolamento social, sem rede de apoio, muitas vezes, e com grande dificuldade para retomarem a vida profissional ou mesmo acadêmica. É urgente considerar todos os fatores acima mencionados como variáveis que contribuem para o adoecimento das mulheres mães física e psicologicamente falando. E as consequências desse adoecimento certamente chegarão às crianças”, alerta.

Afirma ainda que a construção do vínculo afetivo não está prescrita no reconhecimento da paternidade. “Ele, por si só, não é suficiente para suprir demandas emocionais que são complexas. O nome do pai na certidão não faz falta alguma quando comparado com a ausência paterna para as demandas na vida do filho”.

A psicóloga entende que a mulher sobrecarregada, sem o apoio do pai e sozinha diante de todas as responsabilidades presentes no desenvolvimento da criança, provavelmente estará mais ausente, se ela não tiver rede de apoio, e isso pode gerar algum impacto na vida dessa criança.

Mas é importante reforçar que os possíveis impactos só acontecerão porque esse homem está deixando de assumir as funções paternas e não porque as mães solo estão falhando. Vale ressaltar que não basta apenas o nome do pai na certidão de nascimento, é necessário que os homens se responsabilizem pelos seus filhos assumindo ativamente o papel que lhes cabe enquanto pais”, diz.

Reconhecimento de paternidade

Desde 2012, com a publicação do Provimento nº. 16, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o procedimento de reconhecimento de paternidade pode ser feito diretamente em qualquer Cartório de Registro Civil do país, não sendo necessária decisão judicial nos casos em que todas as partes concordam com a resolução. Nos casos em que iniciativa seja do próprio pai, basta que ele compareça ao cartório com a cópia da certidão de nascimento do filho, sendo necessária a anuência da mãe ou do próprio filho, caso este seja maior de idade. Em caso de filho menor, é necessário a anuência da mãe. Caso o pai não queria reconhecer o filho, a mãe pode fazer a indicação do suposto pai no próprio Cartório, que comunicará aos órgãos competentes para que seja iniciado o processo de investigação de paternidade.

Paternidade socioafetiva

Também é possível, desde 2017, realizar em Cartório o reconhecimento de paternidade socioafetiva, aquele onde os pais criam uma criança mediante uma relação de afeto, sem nenhum vínculo biológico, desde que haja a concordância da mãe e do pai biológico.