Na semana que passou, teve início a votação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que trata da descriminalização da interrupção voluntária da gravidez, isto é, do aborto, nas 12 primeiras semanas de gestação. Essa discussão foi levada para o Supremo Tribunal Federal por iniciativa de um partido político e foi objeto de audiência pública no ano de 2018, com diversas entidades da sociedade civil. A princípio, a votação deveria ser feita em sessão virtual, mas a pedido de outro ministro do Supremo, a votação passou para sessão presencial do plenário em data a ser definida.
Na audiência pública de 06 de agosto de 2018, Dom Ricardo Hoepers, que atualmente é secretário-geral da CNBB, esteve no plenário do Supremo e apresentou com firmeza o posicionamento da Igreja na defesa da vida. Em seu argumento, ele disse: “Querem nos desqualificar como fanáticos e fundamentalistas religiosos que impõem sobre o Estado uma visão religiosa”. Ele continua o seu argumento, dirigindo-se aos ministros do Supremo, perguntando onde está o fundamentalismo religioso, que parte dos dados da ciência que comprova o início da vida desde a concepção. O restante do pronunciamento de Dom Ricardo segue a mesma clareza e objetividade e pode ser ouvido na íntegra no link que segue: clique aqui.
Em 22 de setembro, semana passada, a ministra relatora apresentou o seu voto favorável à descriminalização. Ao dar o voto, a ministra leu um texto de 129 páginas, que pode ser encontrado no link que segue: leia aqui. No texto da ministra, no número 36, encontramos a seguinte afirmação: “A inexistência de consenso a respeito de quando inicia a vida é fato notório, mesmo para a área da ciência, na qual dissensos razoáveis sobre a questão coexistem desde sempre. Como afirmado, na audiência pública, pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) … o conhecimento científico permite falar sobre critérios para definição de vida em nível celular, mas não de vida humana. Lado outro, igualmente constata-se a inexistência de consensos sobre o início da vida humana no campo da filosofia, da religião e da ética”. Aqui começa uma encruzilhada.
A referência científica é perfeitamente razoável, haja visto que Dom Ricardo fez menção da ciência na sua fala. A fé e a razão, nas palavras de São João Paulo II, “constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena de si próprio” (Fides et ratio). A grande questão está na instrumentalização da ciência, que é capaz de comprovar a vida celular, mas é incapaz de declarar que seja vida humana. A mesma ciência que consegue descobrir galáxias distantes e estrelas extintas, ou que procura por água e estruturas elementares de vida em outros planetas, não consegue reconhecer a vida desde a concepção no útero materno. Aqui cabe um questionamento: onde de fato existe fundamentalismo?
O argumento religioso não é fundamentalista, mas é fundamentado na razão, de ordem natural, e na fé, de ordem divina. Esse ensinamento do magistério nunca poderá ser alterado. Apenas para relembrar, pode-se ouvir as palavras de São João Paulo II: assista aqui. E em tempos mais recentes, uma dura afirmação do Papa Francisco contra o aborto, chamando essa prática de descarte de pessoas: veja aqui.
Nessa encruzilhada, a questão deixou de ser o consenso científico e passou a ser uma realidade de discursos seletivos. Quando convém, a ciência é afirmativa, e quando não, a utilizam para negar a evidência de vida humana. Por trás de tudo isso, existe um grande jogo de interesses e ideologias, que passam a ser assumidos como direito reprodutivo, direitos do corpo, políticas de saúde pública e tantos outros nomes. A verdade é que a vida humana é um dom, da concepção até o seu fim natural, e deve ser preservada e defendida contra toda violação. A verdade é que o aborto é um mal, uma violência contra alguém que não tem defesas.
A verdade é que, na falta de consenso, esse julgamento deveria considerar o benefício da dúvida em favor da vida, que se tornou a ré. Se a ciência não tem consenso, então não tem critérios para distinguir entre vida celular e vida humana, deveria prevalecer a humana que está em risco. Pois, se a sentença for favorável ao aborto, a vida humana será simplesmente descartada, e a justiça cometerá uma injustiça irreparável. Quebrar a ordem natural da vida é um ato de irracionalidade e não um avanço social.
Foto: Divulgação
Legenda: Dom Devair Araújo da Fonseca, Bispo de Piracicaba
OLHO, SE PRECISAR
“A inexistência de consenso a respeito de quando inicia a vida é fato notório, mesmo para a área da ciência, na qual dissensos razoáveis sobre a questão coexistem desde sempre…. o conhecimento científico permite falar sobre critérios para definição de vida em nível celular, mas não de vida humana. Lado outro, igualmente constata-se a inexistência de consensos sobre o início da vida humana no campo da filosofia, da religião e da ética”