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⭐ Piracicaba, 31 de março de 2025 ⭐

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Foto de Pedro Xavier F. Fontes

Pedro Xavier F. Fontes

Médico Cardiologista

Memórias, encontros e renascimentos às margens do rio

“Piracicaba, um Rio Chamado Tempo”

Tinha acabado de chegar de viagem e decidi espreitar por ali, na Rua do Porto.

Gosto do que essa cidade causa em mim.

Chegou mansa, falavam demais dela, mas eu não me dobrei a princípio.

Tinha amores antigos mal resolvidos – vários deles: Votuporanga, Ribeirão Preto, Catanduva, Botucatu, Florença, Brasília, Guarujá – mas, com o passar do tempo, ela foi me ganhando. E eu? Facilmente cedendo.

Saí do bloco e caminhei até as margens do rio. Fazia exatamente um ano que havia me mudado pra cá.

Foi no bloco da Ema do ano passado o meu primeiro contato com a cidade.

No dia em que cheguei, tinha esse bloquinho de carnaval.

Decidi ir pra lá conhecer.

No final do bloco, decidi me “batizar” e mergulhei no rio.

Um ano depois, no mesmo evento, decidi fazer disso uma tradição e novamente mergulhar naquele rio, mas, como sabemos, nunca mergulhamos no mesmo rio.

O Pedro de hoje já não era mais o mesmo de um ano atrás, recém-chegado na cidade.

Já tinha feito amigos, tinha pacientes que confiavam em mim e pessoas que já considerava família.

Olhei para o curso do rio e fiz uma metáfora clichê dele com o fluxo das artérias do coração.

Lembrei das épocas de enchente que ocorreram último ano e da seca do rio.

Fiz analogias com hipervolemia e anginas.

O rio Piracicaba é o maior afluente em volume de água do rio Tietê.

Nossa bacia hidrográfica se estende por uma área de 12.500 km², situada no sudeste do estado de São Paulo e extremo sul de Minas Gerais, onde estão situadas as suas nascentes mais distantes.

Naquele ponto da Rua do Porto, ele permeava em fluxo natural, parecia uma pressão de doze por oito.

Mas nem sempre é assim.

O rio vazio dá um sentimento de tristeza em qualquer piracicabano.

-Quando falta água e as terras secam – O oxigênio não chega e o músculo cardíaco sofre.
-As plantas morrem — o tecido fibrosa.
-Onde havia vida, hoje não tem mais — disfunção ventricular.
-Água é vida — tempo é miocárdio.

Essas comparações me lembram Mia Couto, escritor moçambicano, em “Um rio chamado Tempo, uma casa chamada Terra”.

As percepções sobre a cidade mudaram.

Foram 12 meses de frustrações, angústias e incertezas.

Nesse intervalo, perdi a pessoa que mais amei na vida, amaldiçoei minhas escolhas, o destino, e me vi, mais uma vez, imerso no dilema moral do médico que cuida de todos, menos de si.

Engoli o choro, levantei a cabeça — porque não levo desaforo pra casa — e decidi que faria acontecer.

E, assim, aconteceu.

Uma vez, reparei que a música que a minha geração canta com mais vontade no carnaval é “Minha pequena Eva”, mas acho que pouca gente repara ao certo na letra da música.

Anunciamos aos 4 ventos que é “o final da odisseia terrestre” logo após a referência bíblica da arca de Noé.

Bloco da Ema de 2026: Ano que vem, quero estar alienado às análises da música e cantar “O nosso amor na última astronave” com a tranquilidade de que felicidade é uma bênção e Piracicaba é definitivamente minha casa.