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⭐ Piracicaba, 6 de maio de 2025 ⭐

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Os Cartazes na II Guerra Mundial

Adolpho01

O século XX foi marcado pelos horrores genocidas impetrados durante o regime hitlerista. E o mais terrível é que eles não aconteceram nem por acidente, como se pudéssemos encará-los como algum tipo de radicalização inesperada do regime em tempo de guerra, nem à surdina, o que se presumiria supor ser um ato secreto de Guerra. Pelo contrário, um povo culto, 65 milhões de pessoas dentro de uma das mais importantes potências econômicas e culturais de todo o mundo se submeteram à dominação política, militar, social e até mesmo psicológica para tornar este fato possível e, mais do que aceitável, necessário. Foi o ódio ao povo judeu, a política antissemita implementada de forma assertiva que resultou na legitimidade destes atos que para sempre serão condenáveis, graças ao apoio em massa da população alemã.

Mas como foi conquistado este apoio? Seria simplista e desonesto tentar justificar em um simples artigo a resposta que a humanidade passará séculos perseguindo. Mas, sem dúvidas, a propaganda política teve um papel fundamental neste processo. Segundo Arendt, a propaganda política, essencialmente totalitária “cria um mundo fictício capaz de competir com o mundo real”. Ainda segundo o autor, a propaganda política almeja a adesão por consenso, tentando ganhar seguidores para uma determinada causa por meio de argumentos dirigidos aos “corações e mentes”. Isto só é valido, ele ensina, quando estes elementos são caracterizados pela coerência entre seus elementos, pela idéia da infalibilidade de suas previsões.

É dentro deste universo que surgem os cartazes como importante elemento da propaganda hitleriana. Uma forma eficaz de comunicação direcionada e em massa.  Ao contrário do que se possa imaginar, estas milhares de peças jamais instigavam a violência de forma explicita. Mas de maneira bastante perspicaz, utilizavam símbolos fortes e elementos únicos com representações claras que colocavam o povo ariano como superior, forte, magnânimo, enquanto os judeus figuravam, sempre, como raça inferior, com feições fracas e pobres, além de possuírem aparência desleixada.

O próprio Hitler jamais pregou claramente, ou sequer admitiu, o uso de violência durante o processo de guerra. Mas o anti-semitismo era o assunto mais constante e recorrente de seus discursos. A divulgação e disseminação do ódio pelo povo judeu, para o qual os cartazes eram um dos principais artifícios, aconteceu aos poucos, mas com extrema eficiência.  Segundo BERNSTEIN, em A Cultura Política (p.361) esta estratégia de marketing funcionou perfeitamente, tanto que ao final do Terceiro Reich grande parte dos alemães compartilhariam desta visão discriminatória institucionalizada e se sentiriam “a raça dominante”.

“A interiorização destas razões de comportamento teria criado automatismos que funcionavam como um atalho da diligência nacional”, defende o autor.

Segundo Serge Tchakhotine, um dos primeiros autores que discutiu a propaganda nazista: “eventos públicos, comícios, discursos, promessas políticas, e até mesmo atos de guerra agem como agentes simples, isto é, causam certas excitações nas pessoas, mas para ter o efeito desejado é necessário que se utilize o agente condicionador complexo, os símbolos. Para sua ideal proliferação o uso dos cartazes foi fundamental. (…) A interpretação massiva destes símbolos retira do humano a sua capacidade de pensar, de reagir de acordo com as suas próprias vontades, de lutar por idéias e contra as que lhe são contrárias”. E completa “a propaganda nacional socialista agia como um processo de lavagem cerebral ou hipnose coletiva, mas sem grandes inovações. Hitler não utilizou uma idéia sequer inovadora. Apenas repetiu suas teorias incessantemente”.

A história dos cartazes

A história dos cartazes publicitários está intimamente ligada à história da litografia. O primeiro registro do uso desta técnica é conferido ao autor húngaro de peças para piano Aloys Senenfelder, que procurava formas de baixo custo para a impressão de suas partituras musicais. O caráter artístico e publicitário só foi conferido a este tipo de obra décadas depois pelo pintor francês Jules Chéret. Foi ele quem teve a idéia de reunir em uma mesma peça uma imagem e um texto curto, de fácil compreensão e leitura rápida. Ele foi o primeiro a compreender a importância da dimensão psicológica da publicidade ao elaborar cartazes baseados na sedução e no impacto emocional, segundo ensina MOLES, em sua obra “O Cartaz”. Segundo o autor, o cartaz é por definição: “intransportável (…) ao encontro do qual vamos, em lugar de os termos em nossas mãos. É talvez esta situação respectiva do ser e do estímulo que define melhor o cartaz de publicidade ou propaganda. O cartaz se oferece de maneira quase irrecusável”.

Zimmerman em sua obra Zur Bildsprach des Nationalsizialismus in Plakat, contextualiza este potencial do cartaz para a propaganda nacional-socialista: “Quase ninguém podia evitar o cartaz colorido nas ruas (…) Do cartaz escapam apenas os cegos, dizia o jargão nazista. Com o cartaz, os nazistas começaram a sua guerra de propaganda pela conquista das ruas. O discurso estético dos cartazes pode ser considerado muito mais eficiente que o discurso verbal.”

Dentro das campanhas nacional-socialistas, o primeiro grande inimigo a figurar nos cartazes não foram os judeus. As peças publicitárias começaram a ser utilizadas pelo movimento muito antes da II Guerra Mundial. Os primeiros registros do uso deste artifício datam de 1919, quando os inimigos eram os bolcheviques e sua imagem era retratada, na maior parte das vezes, por meio de figuras zoomórficas. Ratos, baratas, aranhas e principalmente cobras figuravam amplamente nas ruas da Alemanha. O grande temor era que a proposta de revolução mundial dos bolchevistas se espalhasse com sucesso pela Europa. Temor este que voltou a figurar nos cartazes após o início da Segunda Guerra, quando a hegemonia hitlerista volta a ser ameaçada após a derrota das tropas alemãs em Stalingrado, em 1943.

Por volta de 1927, segundo Zimmerman este inimigo foi substituído pela figura do que se chamaria de “judiaria mundial”, ou “a causa dos maiores problemas do mundo: os judeus”. As figuras passam a ser o belo ariano e a imagem de tudo o que se deve ser evitado ligada ao judeu. Em 1943, os bolcheviques voltam a ser alvo de ataques em cartazes, como dito anteriormente e animais peçonhentos dividem espaço com a figura moribunda dos judeus. Outra imagem que pode ser percebida nesta fase é a de caveiras, o símbolo da morte.

O autor ainda aponta para outro ponto que chama a atenção na arte utilizada nos cartazes: o uso intensivo da cor vermelha, a mesma cor utilizada como símbolo do comunismo. Segundo o próprio Hitler em seu livro Minha Luta, “a cor vermelha foi escolhida por ser a mais provocativa. Sua função é indignar e provocar diversos adversários e levar, desta forma, ao conhecimento e à lembrança”.

Zimmerman discorda e afirma que na verdade a intenção foi criar um meio termo para atrair o maior número de adeptos à sua causa, via identificação com os símbolos. “Isso ocorre desde a escolha do nome do partido: nacional, que é um termo de direita, e socialismo, nomenclatura utilizada pela esquerda”.

A primeira referência quantitativa que se possui do uso de cartazes e que demonstra sua importância para a campanha nazista data de 1937, segundo Zimmermann, e dia respeito à exposição “Gebt mir vier Jahre Zeit” (Dê-me mais quatro anos), a campanha de Hitler. Um cartaz impresso em off set de seis cores que mostra Hitler em frente a uma paisagem industrial. Sua edição foi de 100 mil cartazes pequenos de 29,7 x 42 cm, formatados para ocuparem espaços em paredes comuns; 75 mil peças grandes de 84 x 238 cm, para afixação em colunas; e 15 mil cartazes médios de 84 x 119 cm.

Outra fonte quantitativa do uso de cartazes é da revista alemã Unser Wille und Wegen (Nossa Vontade e Caminho), criada pelo Ministério da Propaganda, então sob responsabilidade de Joseph Goebbels. A edição número 11, datada de janeiro de 1941 apresenta um balanço do material produzido durante o primeiro ano da II Grande Guerra. Segundo a publicação, foram confeccionadas aproximadamente 7.766.000 cópias de 12 diferentes cartazes, ou seja, de forma grosseira podemos dizer que foram produzidos, em média, 485 mil cartazes por mês ou mais de 16, 1 mil por dia.

A explicação para tamanho esforço vem de Zimmermann, que afirma que Hitler precisou lançar mão deste artifício para tirar de suas costas a culpa da eclosão da Guerra. “a culpa passou para a judiaria mundial”, explica o autor.

Neste movimento pode-se perceber a dialética do cartaz, que age, conforme nos ensina Moles, entre “a repetição e cansaço, estímulo e fadiga”, pois a repetição é necessária para a fixação da mensagem”. Outro exemplo importante do período são os cartazes confeccionados para a promoção do filme “Der ewige Jude” (O Eterno Judeu), uma empreitada pessoal de Joseph Goebbels, que, inclusive, criou pessoalmente as peças de promoção. Foram 46 mil cópias. Para a campanha de recolhimento de metal, foram feitos 520 mil exemplares e para a divulgação da exibição de slides para os soldados aliados, nada menos que 200 mil, já que os mesmos se encontravam espalhados em diversos fronts.

É importante ressaltar que não importa o teor dos cartazes, ou o motivo que levou à sua confecção. A grande maioria deles utiliza símbolos muito claros do anti semitismo, que marcou toda a campanha nacional-socialista. As imagens remetem incessantemente à diferença entre o judeu e o ariano, formalizando “uma mensagem global, unitária, baseada em uma constelação de atributos que evocam as conseqüências positivas ou negativas, de um imperativo” (Moles). Este imperativo refere-se tanto à identificação positiva do povo ariano, quanto à negativa relacionada ao povo judeu.

Segundo Hitler em seu livro Minha Luta, “Em poucas palavras, o resultado do cruzamento de raças é sempre o seguinte: a) rebaixamento do nível da raça mais forte e b) regresso físico e intelectual e, com isso, o começo de uma enfermidade, que progride devagar, mas seguramente.”

Era este sentimento obcecado do Führer, e corroborado pelo seu Ministro da Publicidade, Goebbels, que facilmente pode ser identificado em cada cartaz produzido na época pelos alemães. Voltando ao lançamento do filme “O Eteno Judeu”.  Além dos cartazes, que davam ênfase estrema aos estereotipo “asqueroso” dado ao judeu, um panfleto, escrito pelo próprio Goebbels foi entregue aos espectadores antes da exibição do filme. Ele faz referências claras à fisionomia dos judeus. Lia-se:

“Os judeus sempre souberam como assemelhar sua aparência externa a de seu hospedeiro. Contrastando com o judeu oriental, com sua túnica, barba e costeletas, temos o bem escanhoado judeu da Europa Ocidental. Isso demonstra de maneira conclusiva como ele enganou os povos arianos. Sob esta máscara, ele ganhou cada vez mais a influência nas nações de cultura ariana e ascendeu a posições sociais cada vez mais altas. Mas ele não pôde modificar sua essência anterior”.

Considerações finais

O instrumento difusor da cultura política do nacional-socialismo era a propaganda política oficial, conduzida pelo Estado sob a direção do Ministério da Propaganda e Esclarecimento Popular, chefiado por Joseph Goebbels, e mesmo a mídia impressa de iniciativa particular. Tanto a propaganda como a mídia encarregavam-se da difusão das representações anti semitas normalizadas que tiveram um inegável papel na definição de sua cultura política além de seu significado político. Propaganda e cultura política devem ser vistas numa relação dinâmica, em que uma dá à outra os elementos necessários para sua justificação e legitimação.

Através da análise dos cartazes de propaganda pôde-se entender como o anti semitismo reuniu uma série de conformações ideológicas, palavras-chave, representações, valores e normas de conduta negativos, além de indicações para a tomada de decisões no plano político, já que a propaganda contém traços determinantes ao apoio de parte da população alemã à forma de organização política e social proposta pelo nacional-socialismo.

Através do manejo da propaganda política em suas várias formas, como cartazes de propaganda, filmes, exibições de fotos, documentário, noticiários e mesmo cortejos e congressos do NSDAP, a ditadura hitlerista preocupou-se em divulgar suas normas e padrões de comportamento. Como dizia Goebbels, “é bom ter o poder das armas; mais eficiente e duradouro, entretanto, é conquistar e manter os corações e mentes do povo”. O consenso é mais eficaz do que a opressão e, neste ponto, é importante atribuir um papel de governo ao exercício da propaganda política, já que ela se organiza em torno das definições do governo, apresentando-as, preparando-as ou justificando-as. Sem o apoio de uma parcela significativa do povo alemão e a consequente possibilidade de sua mobilização, os planos belicistas de 136 Hitler que levaram a Alemanha à Segunda Guerra Mundial jamais poderiam ter sido postos em prática.

 

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