A conceituada revista inglesa “The Economist” de Londres, faz referência como sendo a palavra mais significativa do ano de 2024, a “kakistocracia”, originária do grego que significa, mais próximo de uma tradução, “o governo dos piores”, sendo antônimo de “aristocracia” que na versão clássica, o governo dos melhores. Melhores são aqueles que, com rígido aparato de seleção, se destacam para exercer funções que exigirão profunda experiência e conhecimento dos seus pressupostos, conduzindo suas realizações com segurança, ética, confiança e transparência dos resultados.
Há de se destacar que o termo eleito pela revista The Economist não é novo, pois as fábulas de eminentes escritores ao longo do tempo, se utilizaram da ecologia para representar administração dos piores, escolhendo personagens para refletir um comando autocrata com à ascensão política de grupos menos qualificados. Citando duas bem conhecidas: “A Cigarra e a Formiga”, publicada 1668 por Jean de La Fontaine (1621-1695), simbolizando o descaso e a falta de planejamento futuro. “A Revolução dos Bichos”, publicado 1945 por George Orwell (1903-1950) para reproduzir a igualdade entre todos, mas que se degenera numa tirania e corrupção.
Nessa linha de esclarecer condutas e dominações da sociedade, está a obra do Prêmio Nobel de 1989, Eugène Ionesco: “O rinoceronte”, escrita 1959 que descreve uma cidade em que a população governada por absolutista, gradualmente se transforma em rinocerontes, simbolizando a perda da individualidade, permitindo dominação e obediência ao totalitarismo.
No Brasil, o brilhante professor Rubem Alves já havia antecipado a observação da revista inglesa por volta de 1989, quando publicou no livro “Estórias de quem gosta de ensinar”. São Paulo: Ars Poética, 1985, p.81-2; a fábula, “Urubus e Sabiás”, como uma premonição para os dias atuais, diz a fábula:
‘Tudo aconteceu numa terra distante, no tempo em que os bichos falavam… Os urubus, aves por natureza becadas, mas sem grandes dotes para o canto, decidiram que, mesmo contra a natureza, eles haveriam de se tornar grandes cantores. E para isto fundaram escolas e importaram professores, gargarejaram do-ré-mi-fá, mandaram imprimir diplomas e fizeram competições entre si, para ver quais deles seriam os mais importantes e teriam a permissão para mandar nos outros. Foi assim que eles organizaram concursos e se deram nomes pomposos, e o sonho de cada urubuzinho, instrutor em início de carreira, era se tornar um respeitável urubu titular, a quem todos chamam por Vossa Excelência.
Tudo ia muito bem até que a doce tranquilidade da hierarquia dos urubus foi estremecida. A floresta foi invadida por bandos de pintassilgos, tagarelas, que brincavam com os canários e faziam serenatas com os sabiás… Os velhos urubus entortaram o bico, o rancor encrespou a testa, e eles convocaram pintassilgos, sabiás e canários para um inquérito.
⎯ Onde estão os documentos de seus concursos? E as pobres aves se olharam perplexas, porque nunca haviam imaginado que tais coisas houvesse. Não haviam passado por escolas de canto, porque o canto nascera com elas. E nunca apresentaram um diploma para provar que sabiam cantar, mas cantavam, simplesmente…
⎯ Não, assim não pode ser. Cantar sem a titulação devida é um desrespeito à ordem.
E os urubus, em uníssono, expulsaram da floresta os passarinhos que cantavam sem alvarás…
Moral: em terra de urubus diplomados, não se ouve canto de sabiá.”
Einstein com sua ciência mostrou que somente tempo não existe, mas sim espaço-tempo, e que os fatos nessa dimensão se repetem e, mesmo com a advertência de seres que amam e respeitam os direitos da natureza humana, surgirão personagens assustadores com vontade de dominar. No discurso do “kakistocrata” (grifo meu) não há verdade, e nem na justiça com recurso ligado ao poder. O passado e o presente num só tempo, silenciando os menestréis dos lindos cantos de liberdade.