Será lançado em agosto, o primeiro livro da musicista e pedagoga, Wana Narval, que tem como titulo “A reconstrução histórica e cultural da Corporação Musical União Operária”, com 171 páginas e edição especial da Editora Dialética. Trata-se da dissertação de mestrado em educação sócio comunitária da autora, defendida na Universidade Salesiana de Americana, UNISAL, sob a orientação da professora Dra. Livia Morais Garcia Lima.
Formada também em música pela UNIMEP, concluiu também o curso de canto erudito no Conservatório Dramático Musical Dr Carlos de Campos em Tatuí, a autora encontrou seu jeito profissional e competente, de deixar um legado para a história local. A partir da sua própria história, visto que o avô, Joaquim Inocêncio Carcagnolo, seu Quinzinho, foi integrante da Corporação.
Com a morte da avó, em 1984, seu Quinzinho foi morar na casa em que residiam Wana e sua mãe Benedita Carcagnolo Narval, a quem dedicou este seu primeiro livro. Foi a mãe quem guardou papéis antigos do avo, recortes de jornais, partituras de suas músicas, entre eles, uma composta em parceria com a professora Melitta Brasiliense intitulada “De alguém”, acompanhada por sua sanfona, que era esposa doe um antigo maestro a Corporação, Carlos Brasiliense, que regeu a Banda nos anos de 1930. E foi a partir deste momento que a autora passou a reconstituir a memória de mais um capítulo da União Operária, também conhecida antigamente com o Melitta apelido de “A furiosa”, depois de uma excursão realizada a um festival de bandas na Espanha.
Das inovações em seu livro, a autora nos lega uma série de QR Codes, que podem ser abertos durante a leitura, contendo a melodia “De alguém”, fotos e outros momentos importantes vividos por ela na sua trajetória de construção deste livro que tem duas dimensões importantes, a teoria e as levantadas a partir das memórias pessoais.
Seu Quinzinho faleceu em 1996, legando um “baú de tesouros” para a família. Entre eles um depoimento/reportagem que publicou sobre a sua participação a da Banda, no episódio a Revolução de 1932, quando centenas de piracicabanos ,depois de subida gloriosa pela Rua Boa Morte, embarcaram em trem da Estação da Paulista para Quitaúna, onde desdobravam-se os confrontos da revolução Constitucionalista de 1932.Na página 32, a música “De alguém” de Quinzinho e da professora Melitta Brasiliense pode ser ouvida ,interpretada pelo autor da canção, num resgate importante e, a meu juízo, inovador, na construção dos livros sobre a memória local. Daí um dos primeiros e grandes méritos da autora.
CONSTITUCIONALISTAS
Esta carta, com a grafia da época, foi ditada por Seu Quinzinho e datilografada. A autora, ao recuperá-la nos guardados de sua mãe, inspirou-se para construir este livro. Segue, como registro de um capitulo igualmente importante para a história local.
9 de julho de 1932
“Sempre é bom recordar”
Eu, Joaquim Inocêncio Carcagnolo, peço permissão, para escrever sobre a revolução constitucionalista de 32, e sobre a banda de música Corporação união operária, a única banda à representar o brasil, no grande festival da Espanha, e que fez, muito sucesso, sendo muito aplaudida; mas a banda União Operária, teve em 32 mais uma grande vitória, pois foi a única banda de música que seguiu para São Paulo junto aos voluntários Piracicabanos, os quais muito nos honraram e deram seu sangue, à São Paulo; mais uma vez peço perdão, pois se escrevo estas linhas, é porque também estive lá, e como sou um dos poucos músicos daquela época, que ainda vive, tomei esta liberdade, visto que até hoje, nada se menciona sobre o feito da banda “União Operária”; os músicos que ainda vivem são os seguintes: Gustavo Paulilo, Fernando de Souza, João Carcagnolo e mais eu Joaquim Inocêncio Carcagnolo, era prefeito municipal em 1932, época da revolução, Sr. Luiz Dias Gonzaga, que nada deixou faltar as famílias dos que para lá seguiram.
Agora começo a relembrar os componentes da banda “União Operária”, era seu presidente o Sr. Jaques de Andrade, seus maestros Dr. Rafael Pêro e Sr. Carlos Brasiliense, já falecidos; e os músicos que pude me lembrar são os seguintes: Tibúrcio de Oliveira, Augusto Mimi, Mario Passini, Mário Delnero, Juvenal Correia, José Provenzano, Luiz Carcagnolo, Antonio Carcagnolo, Benedito Gabriel, todos já falecidos; e só uma de família entre vivos e mortos éramos quatro, Luiz Carcagnolo, (pai), Antonio Carcagnolo, Joaquim Inocêncio Carcagnolo e João Carcagnolo, ( filhos); neste momento começo a contar alguns trechos da nossa viagem à São Paulo, junto aos voluntários, subimos a Rua Boa Morte, com muitas alegria, muito povo, muitas despedidas, a banda tocando; finalmente tomamos o trem especial da antiga paulista que nos conduziria à São Paulo daí por diante começou o silêncio, ninguém mais poderia sair fora dos vagões, as portas eram guardadas por soldados armados, conforme íamos chegando mais perto da capital, no trem já não havia mais água, a fome apertando, pois nem tempo tivemos de almoçar em Piracicaba, o pior que ao chegarmos na estação da luz, aonde íamos desembarcar veio uma ordem do comando, para que o trem seguisse imediatamente para Quitaúna, pois os aviões os vermelhinhos momento antes tinham bombardeado o quartel da luz, chegamos em Quitaúna tarde da noite, e tudo às escuras, tanto o trem como nós proibidos até de acender um palito de fósforo para não chamar a atenção dos nossos inimigos, e que hoje são os nossos amigos; em Quitaúna toda a tropa de voluntários forma aquarteladas, menos a banda e mais alguns voluntários que estavam chegando, e todos em silencio e perfilados, esperando qualquer ordem superior, e não demorou muito para chegar dois grandes caminhões com ordem de transportar a banda e mais voluntários que acabavam de chegar, e daí fomos conduzidos de volta à São Paulo, e alojados no quartel general, no Largo S. Francisco, Faculdade de Direito; chegamos de madrugada e na estrada rodeado por muitos guardas, fazia muito frio, e foi aí que pudemos matar a fome, pois havia muito pão e leite, e depois disso, mandaram que procurássemos alojamento, entramos em um grande salão, onde havia muitos cobertores, mas nem conseguimos deitar, chegou um sargento, e gritou: para que todo mundo se levantasse, e que mal chegam e vão dormir? E os músicos que se reúnam no pátio que daqui a pouco vai chegar o estado maior e quero ver a banda tocando; pouco depois chegava o estado maior e dava suas ordens, para que mandasse 60 homens num dos setores cavar trincheiras, incluindo a banda e mais homens para completar os 60; e foi nesse momento que tomou a palavra o dr. Bierrenbach de Lima, dizendo que a Banda de música só viera para acompanhar e incentivar os voluntários para a luta; a partir daí fomos liberados, e pudemos voltar à Piracicaba; senhores mais uma vez tomo a liberdade, de proclamar o feito da “União operária”, na revolução constitucionalista de 1932; fui musico desta banda por muitos anos, e já estou com bastante idade, e quero pelo menos deixar esta lembrança para meus netos, peço desculpas por esta fraca reportagem e assumo todas as responsabilidades; Joaquim Inocêncio Carcagnolo, Rua Tiradentes nº 222, Piracicaba estado de São Paulo.
SOBRE O LIVRO
Dividido em cinco capítulos, o livro está organizado a partir dos seguintes subtítulos: Banda união Operária: afinando os instrumentos (sobre as origens da união Operária); aprendendo música : educação musical e educação não formal, um diálogo possível (destacando-se os conceitos de educação não formal e a metodologia que norteia o livro); a memória do tocado e do sentido: história oral, seus sons e silêncios (onde faz uma competente revisão de literatura sobre o tema da história oral, que foi o fio condutor das suas entrevistas com personagens, músicos e dirigentes da Corporação); análise de dados ,onde a autora destaca questões de gêneros, etnias, classes sociais, religiões, aprendizagem dos instrumentos e, em especial, a integração intergeracional entre os integrantes da Banda); e, mais, suas considerações finais sobre o percurso realizado.
Há outra passagem que gostaria de destacar, sore os inúmeros colaboradores que a corporação teve ao longo dos seus 113 anos de existência. Dentre eles, Wana destaca um trecho simbólico importante do empresário e ex-vereador Nelson Corder, que sempre se empenhou em viabilizar recursos para as apresentações da Banda. Empresário na área de transportes, eram seus sempre os ônibus que levavam a banda para apresentações em várias festas locais e regionais. No seu leito de morte, pediu a um dos filhos que o acompanhava naquele momento “Nunca se esqueça da banda!”. Como não se esqueceram e tem contribuído decisivamente para o sucesso deste projeto centenário o atual maestro Jonatas Dionisio e o dirigente Oswaldo Novelo. E com Corder, foi-se um tempo de muita dedicação e apoio, como de outros piracicabanos ilustres e anônimos, para o êxito da corporação.
O livro conta com prefácio do jornalista Cecílio Elias Neto e encerra-se com extensa bibliografia sobre a dimensão teórica consultada, analisada na qual a autora dialoga entre as dimensões teóricas abalizadas e o discurso informal entre os personagens entrevistados e incorporada à obra.