Especialistas comentam as consequências que aprovação da PEC pode ter no ordenamento jurídico e o embate com o STF
A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado aprovou a proposta de emenda à Constituição (PEC) que criminaliza a posse e o porte de drogas ilícitas em qualquer quantidade. O texto a ser discutido insere no artigo 5º do texto constitucional — principal ao prever os direitos e deveres da sociedade — que “a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.
Já há previsão, na Lei de Drogas de 2006, sobre a criminalização do porte e posse de drogas, mas a intenção dos parlamentares é implantar uma regra superior à de uma lei. Hoje o tema não está na Constituição Federal e é tratado apenas em leis infraconstitucionais, como o Código Penal.
A PEC é uma reação do Congresso Nacional à votação em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que discute descriminalizar o porte de pequenas quantidades de maconha. Já há 5 votos pela descriminalização e três contra. Se a maioria decidir pela descriminalização, os ministros precisarão definir qual é a quantidade máxima de maconha que será permitida.
Segundo Leonardo Pantaleão, especialista em Direito e Processo Penal e sócio do Pantaleão Sociedade de Advogados, a PEC tem como objetivo principal estancar uma discussão que há muito tempo permeia os tribunais brasileiros que é definir questões relativas à quantidade de drogas permitida para consumo pessoal. Na mesma linha, o STF busca suprir esta lacuna constitucional hoje vigente, definindo se a quantidade de droga apreendida com um indivíduo é ou não para uso pessoal.
Com a PEC, haveria a criminalização o porte e posse de qualquer quantidade de drogas, mas isso não significa que estaria, automaticamente, configurado o tráfico de drogas, o que dependeria das circunstâncias do caso concreto, explica o advogado.
A Constituição Federal atual, de fato, não estabelece que o porte e a posse de qualquer quantidade de drogas é crime, isso ficou a critério da legislação infraconstitucional, que estabeleceu, no artigo 28 da Lei de Drogas, que esse porte e posse de droga para uso próprio caracteriza uma infração penal, que não é punida com pena privativa de liberdade. “O que se busca agora é clarear a questão em termos constitucionais, para que o legislador infraconstitucional não possa colidir com os termos da Constituição e para que os órgãos do Poder Judiciário se submetam as diretrizes constitucionais”, afirma Pantaleão.
Para ele, a grande preocupação da discussão no STF é que, se ficar determinado que a posse de uma determinada quantidade de drogas não é crime, pode acontecer do tráfico se adequar a esse cenário estabelecido pela Suprema Corte. Isso vai dificultar uma eventual prisão em flagrante pelo crime de tráfico, demandando esforço da polícia para comprovar que, apesar da quantidade encontrada estar dentro da diretriz estabelecida pelo STF, as drogas seriam transferidas a terceiro, configurando tráfico.
André Santos Pereira, Delegado de polícia e presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de SP (ADPESP), pontua que a disciplina que está posta no texto da PEC vai de encontro ao que está sendo analisado no STF, pois criminaliza o porte de qualquer quantidade de droga.
Hoje já temos dispositivos na Constituição que tratam do tráfico de drogas, como a equiparação ao crime hediondo, além de dispositivos que situam a temática na esfera da saúde e da segurança pública.
“Assim, entendemos que a Constituição não deixa lacunas sobre o tema e a legislação infraconstitucional, em especial a Lei de Drogas, dá o tratamento adequado ao porte de drogas para consumo pessoal. No final das contas temos um ativismo do STF, visando descriminalizar essa conduta e se caminharmos para esse cenário, ai sim, teremos uma lacuna no ordenamento jurídico e a cadeia produtiva do tráfico pode se aproveitar disso”, conclui o delegado.