Em média, a vida sexual do brasileiro tem início aos 15 anos, mas sexualidade é um assunto que deve fazer parte do repertório familiar desde a infância
Sexo sempre foi tabu em casa. Não sabia nada além de que eu precisava usar camisinha caso não quisesse engravidar. DST nem passava pela minha cabeça, conta Cícera Raniele de Souza, de 26 anos.
A primeira transa dela aconteceu aos 19 com um garoto três anos mais velho. Foi uma experiência frustrante e, por muito tempo, não contou para ninguém sobre o ocorrido por vergonha. “Eu era muito quadrada e não falava de sexo com ninguém até ficar mais velha”, conta.
A jovem, moradora de Pirituba, na zona norte de São Paulo, pesquisou na internet sobre sexo e, mesmo cheia de dúvidas, acabou cedendo à pressão do namorado.
Acho que se esse assunto fosse normal em casa eu não teria transado com meu namoradinho só porque ele me convenceu. Afinal, estávamos juntos há apenas quatro meses, afirma.
Tornar a sexualidade um assunto normal dentro de casa nem sempre é tarefa fácil para os pais, mas a hebiatra – médica especializada em adolescentes – Andrea Hercowitz, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, explica que a família deve ser a principal referência e fonte de informação sobre o assunto.
É importante deixar o canal do diálogo aberto com os filhos, para que eles saibam que têm com quem esclarecer, afirma.
Isso ajuda a diminuir os riscos de o adolescente ‘aprender’ pela internet ou ainda com amigos que sabem tanto ou menos que eles, ensina.
Em média, o brasileiro inicia a vida sexual aos 15 anos. Mas a sexualidade é um assunto que deve fazer parte do repertório familiar desde a infância, por ser o melhor caminho para uma vida sexual saudável. Mas é importante lembrar a diferença entre sexo e sexualidade.
O primeiro acompanha o indivíduo desde o nascimento e faz parte da personalidade de cada um. É o que motiva a procura pelo amor, o contato e a intimidade, a forma de sentir, agir e interagir.
A sexualidade se manifesta no abraço entre meninas, na luta dos meninos, por exemplo, e tem relação com crenças, forma de criação, aspectos sociais. Já o sexo é o ato físico, explica Andrea Hercowitz.
Sexualidade é trabalhar a questão do respeito a si próprio e entre meninas e meninos, é mostrar que não necessariamente a cor rosa é de menina e o azul é cor de menino. É não transformar em um problema ou tabu o amor entre pessoas do mesmo sexo, completa a hebiatra.
Dessa forma, a conversa sobre sexo fica mais fácil e natural. Mas a verdade é que não há uma receita.
Depende muito da estrutura familiar, da cabeça da criança e das informações que ela já recebeu dos amigos e da mídia.
Um bom termômetro, explica a psicóloga do Einstein Soraya Azzi, é prestar atenção e acompanhar as mudanças físicas e comportamentais dos filhos.
O corpo muda, os interesses mudam. O ideal é ir ensinado desde pequeno que o corpo e a saúde deles têm valor, dando autonomia e responsabilidade a eles de acordo com o amadurecimento. Os pais não ensinam as questões de valorização, responsabilidade e segurança quando a criança tem 12 anos. Eles ensinam desde o momento em que ela nasce, conta.
As chances de escolhas mais assertivas quanto à sexualidade são maiores em indivíduos que se valorizam, respeitam a si e ao próximo, que conhecem seus limites e suas vontades. “Eles vão tomar as decisões por eles e não porque os amigos estão fazendo ou para serem aceitos em um grupo.”
Outra questão importante é saber até onde conversar com seu filho.
Muitas mães me pedem para falar de sexo com suas filhas. A maioria delas diz que têm medo de que as garotas não levem a sério as recomendações por acharem que as mães não querem que elas transem”, conta a ginecologista Lucila Pires Evangelista, também do Einstein.
Por isso, a dica da médica é, além de manter o canal de diálogo aberto, responder ao que os adolescentes perguntam, sem estender demais as explicações.
As curiosidades ou necessidades de informação vão surgindo aos poucos. Não adianta bombardear o adolescente que ainda é muito infantil com informações sobre sexo que ele ainda não tem curiosidade. Ele não vai entender ou vai ficar pensando em coisas pelas quais ele nem tinha interesse, explica.
O gestor em análise de sistemas Gabriel Cantesani, de 27 anos, de São Paulo, conta que poucas vezes fez perguntas de sexo para a mãe.
Mas ela falava mesmo assim até o que eu não queria saber, brinca.
Entre as muitas coisas que aprendeu desde pequeno foi a respeitar o próximo.
Minha mãe sempre falou sobre respeito, que mulher não é objeto, que o que eu não quero que faça comigo, não devo fazer com os outros. E acho que isso foi muito importante, lembra ele, que iniciou a vida sexual aos 15 anos com uma mulher sete anos mais velha.
Acho que minhas dúvidas na época eram iguais às da maioria dos meninos: quanto tempo eu fico nas preliminares, será que eu vou ser muito rápido? Será que ela vai gostar?, confessa.
Usar fatos da atualidade para discutir a questão também é uma boa abordagem.
Aproveitar uma cena de novela, uma notícia na TV ou que está na internet para falar sobre sexo, sexualidade, respeito são boas estratégias, afirma a hebiatra Andrea Hercowitz.
E, diante daquelas perguntas difíceis, que deixam os pais enrolados, a melhor saída é sempre a honestidade.
Pais não são obrigados a ter conhecimento sobre tudo e respostas para todas as perguntas. Assumir que não sabem e se propor a pesquisar junto com os filhos ou procurar um profissional é uma boa saída, completa a psicóloga Soraya Azzi.
Na hora da conversa…
- Se a sexualidade for tratada com naturalidade em casa, falar sobre sexo será muito mais simples
- Mantenha o canal de diálogo aberto
- Não se sinta mal caso não saiba responder alguma pergunta. Seja honesto e se proponha a pesquisar ou procurar junto com seu filho as informações.
- Ao pesquisar sobre o tema, tome cuidado com fake news. Uma conversa com um médico é uma boa pedida. Se a pesquisa for pela internet, prefira sites de notícias confiáveis e de organizações reconhecidas pela idoneidade das informações
- Na hora de explicar, deixe a ansiedade de lado: responda o que foi perguntado e evite discursar sobre o tema.
- Aproveite fatos atuais – alguma cena de novela, por exemplo, para discutir com os filhos e falar sobre sexo
Fonte: Agência Einstein
OLHO, SE PRECISAR
As curiosidades ou necessidades de informação vão surgindo aos poucos. Não adianta bombardear o adolescente que ainda é muito infantil com informações sobre sexo que ele ainda não tem curiosidade. Ele não vai entender ou vai ficar pensando em coisas pelas quais ele nem tinha interesse