Texto: Fernando Fray, produtor de moda
Nesta última semana do mês de Janeiro ocorreu a Semana de Alta-Costura Verão 2023 de Paris. Um dos eventos mais aguardados é mundialmente conhecido por sua costura exclusiva, feita à mão, que leva em sua composição materiais de alta qualidade e padrão. Algumas produções podem levar semanas ou até meses para serem confeccionadas – uma verdadeira obra de arte. Mas não se engane, para levar o título de AC é preciso passar por uma avaliação anual feita pela Federação da Alta Costura e da Moda, que protege e controla as regras que definem se uma marca é ou não, digna de receber tal reconhecimento.
De acordo com informações disponibilizadas pela FFW (Fashion Forward), uma das fontes mais confiáveis em termos de pesquisa de moda, a avaliação conta com algumas regras rígidas as quais uma marca precisa se adequar para receber tal designação, como possuir um ateliê em Paris com uma equipe de no mínimo 15 funcionários; trabalhar com a produção de peças sob encomenda e apresentar coleções com média de 35 looks ao menos 2 vezes por ano de forma pública.
O que rege de fato uma peça AC tão pouco tem a ver com lucro, e sim com a técnica milimetricamente aplicada. Ela funciona como uma espécie de vitrine para a marca, que consegue mostrar sua expertise através da técnica e da criatividade. Em matéria de limites, todo o processo de criação acaba sendo mais livre, uma vez que a apresentação do resultado final ao público é responsável por gerar aquele boom que atrai todos os olhares e funciona perfeitamente como jogada de marketing.
E se tratando de destaque, o dia de estreia entregou muita inspiração e polêmica. Com o auxílio da tecnologia, Iris Van Herpen apresentou um fashion film com inspiração na leveza das águas. Peças compostas por poliéster reciclado e seda orgânica traziam uma proposta sensível e marcante, provocando uma total imersão nesse universo.
O pôr do sol foi a grande aposta de Giambattista Valli, que trouxe os tons quentes e o candy color do crepúsculo esbanjando exuberância em looks festivos com silhuetas volumosas. Tule, plumas e aplicações, tiveram grande destaque na composição, estendendo sua referência maximalista nos motivos florais e acessórios complementares.
(Foto: Cortesia de Iris Van Herpen)
Chanel, por sua vez, trouxe como main theme o apartamento de Gabrielle na rue Cambon, 31, cuja decoração continha diversos objetos e estatuetas de animais. A referência lúdica se fez presente nos bordados e aplicações, que de modo sutil e delicado evidenciaram a elegância característica da marca. Outras características abordadas foram o uso de vestidos, conjuntos e sobreposições, que receberam novos ares em meio a transparência, babados e pregueados. E claro, o tweed, marca registrada, ajudou a compor os 51 looks desfilados na passarela.
(Foto: Daniele Oberrauch/Gorunway.com)
E o grande ato de abertura da semana do evento ficou com Elsa Schiaparelli. Uma das marcas de maior prestígio e conhecida pelo seu trabalho surrealista, trouxe como referência a obra “Divina Comédia”, de Dante Alighieri, que gerou certa polêmica e dividiu opiniões. O principal intuito da marca era atrelar sua especialidade (surrealismo) à força de sua fundadora. Contudo, a representação de cabeças de animais em alguns dos looks acabou trazendo à tona uma discussão que está atualmente em voga. A caça de animais. A pauta tem ganho cada vez mais visibilidade, pois sua prática vem contribuindo para a extinção de muitas espécies.
A label fez questão de esclarecer que todas as peças foram feitas a partir da técnica de taxidermia falsa. Entretanto, o assunto ainda segue gerando burburinho acerca das peças em questão. E pra encerrar essa pauta eu gostaria de propor uma reflexão: até que ponto a sua interpretação sobre algo pode atingir positiva ou negativamente as demais? Todo o esforço é válido em nome da arte?
(Foto: Isidore Montag/Gorunway.com)