Alessandra Rascovski destaca eficácia superior do fármaco, mas alerta para necessidade de acompanhamento médico
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o medicamento Mounjaro para o tratamento de sobrepeso e obesidade no Brasil, ampliando as opções terapêuticas para milhões de brasileiros que lutam contra o excesso de peso. A decisão, publicada no Diário Oficial da União na última segunda-feira (9), representa um marco significativo no combate à obesidade no país, uma vez que estudos clínicos demonstraram que o medicamento pode promover perdas de peso de até 22,5% quando associado à dieta e exercícios.
O Mounjaro, fabricado pela farmacêutica americana Eli Lilly, já era aprovado no Brasil desde 2023 para o tratamento de diabetes tipo 2. Agora, com a nova indicação, o medicamento poderá ser prescrito para adultos com índice de massa corporal (IMC) igual ou superior a 30, caracterizando obesidade, ou igual ou superior a 27, no caso de sobrepeso acompanhado de pelo menos uma comorbidade relacionada ao peso, como hipertensão, colesterol alto ou pré-diabetes.
Resultados em estudos clínicos
A aprovação da Anvisa baseou-se nos resultados do programa SURMOUNT, um conjunto abrangente de sete estudos clínicos de fase 3 que recrutou mais de 20 mil pacientes em todo o mundo. Os dados revelaram uma eficácia notável do medicamento no controle do peso corporal.
Na dose mais alta do tratamento (15 mg), os participantes perderam em média 22,5% do peso corporal, enquanto na dose mais baixa (5 mg), a perda média foi de 16% – números significativamente superiores aos 0,3% observados no grupo que recebeu placebo. Ainda mais impressionante foi o fato de que cerca de 40% dos participantes que utilizaram Mounjaro perderam mais de 40% do peso corporal total, comparado a apenas 0,3% do grupo placebo.
Além da perda de peso, os participantes observaram melhorias em outros parâmetros de saúde, incluindo reduções no colesterol, na pressão arterial e na medida da cintura – benefícios considerados desfechos secundários do tratamento.
De acordo com Alessandra Rascovski, endocrinologista e diretora clínica da Atma Soma, além de fundadora do Ambulatório Clínico de Obesidade Severa do Hospital das Clínicas da FMUSP, a aprovação do Mounjaro vem de encontro à enorme expectativa em relação aos efeitos da tirzepatida para o controle da glicemia e perda de peso.
“Os resultados de pesquisas científicas e do uso do remédio no dia a dia mostraram que ele tem uma alta eficácia para controlar a glicemia e proporcionar perda de peso. No consultório, tenho recebido muitos questionamentos de pacientes a respeito do Mounjaro para o emagrecimento”, ressalta.
Alessandra ressalta que uma das grandes preocupações é que o Mounjaro seja visto como uma fórmula milagrosa de emagrecimento, cuja mensagem é impulsionada pelas redes sociais.
“É importante que o uso do medicamento, assim como qualquer outra caneta de tratamento para diabetes indicada como opção off label para a perda de peso, seja acompanhado por orientação médica, pois o paciente pode não alcançar o efeito esperado, enfrentar percalços em sua jornada, incluindo efeitos colaterais severos, e, ao final, não ter um resultado satisfatório, com risco de reganho de peso após a interrupção do uso”.
Duplo agonista
De acordo com a diretora clínica da Atma Soma, a tirzepatida é a primeira medicação da história que se encaixa na classe de duplos agonistas.
“Enquanto a semaglutida imita a ação do hormônio GLP-1 (peptídeo-1 semelhante ao glucagon), para equilibrar as taxas de açúcar no sangue e regular o apetite, a tirzepatida imita o GLP-1 e o GIP (peptídeo insulinotrópico dependente de glicose), que também controla a glicemia e induz a sensação de saciedade”, ressalta.
O novo remédio se liga aos receptores de ambos os hormônios, envolvendo duas etapas. A primeira engloba a liberação de insulina, hormônio produzido pelo pâncreas responsável por retirar da circulação sanguínea o açúcar originado dos alimentos e colocá-lo dentro das células, quando será usado como fonte de energia.
“Pacientes portadores de diabetes têm dificuldade de produzir a insulina ou ter sua ação efetiva no organismo. Nesse sentido, a glicose fica acumulada no sangue e ocasiona vários problemas de saúde, de ordem cardiorrespiratória, renal ou ocular”, explica a endocrinologista.
Já a segunda etapa de ação do Mounjaro aborda o controle de apetite.
“Os receptores de GIP e GLP-1 também estão presentes em várias regiões do cérebro, relacionadas ao controle do apetite, da saciedade e do gasto energético. Com isso, o medicamento ajuda a regular os centros de recompensa que nos motiva a buscar o que dá prazer e assim melhora o comportamento alimentar, o que pode levar à perda de peso”, ressalta Alessandra.
Doenças crônicas em evolução
A aprovação do Mounjaro para obesidade no mercado brasileiro é mais um capítulo importante para promover novos horizontes de combate ao avanço da diabetes e obesidade. Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), o país possui cerca de 20 milhões de pessoas portadoras da doença, o que corresponde a mais de 10% da população, e com projeções de crescimento de novos casos para os próximos anos.
Em relação à obesidade, o quadro é semelhante. Conforme dados da pesquisa Vigitel 2023, 24,3% dos adultos no Brasil são obesos – 1 a cada 4 no país. Até 2030, esse porcentual pode chegar a 30%, de acordo com o Atlas Mundial da Obesidade 2022.
Acessibilidade: o grande desafio
Além da aprovação do Mounjaro, o mercado vem se empenhando em novas opções de medicamentos para incrementar o leque de opções disponíveis para os brasileiros. Por exemplo, a queda da patente da semaglutida está prevista para ocorrer em 2026 e existem laboratórios já trabalhando em versões genéricas do Ozempic. Há também anúncios sobre a produção de opções a base de liraglutida, princípio ativo do Saxenda, com foco em obesidade e diabetes.
Alessandra Rascovski aponta que ainda há um longo caminho de expansão do uso desses fármacos no Brasil.
“O valor elevado ainda é um fator dificultador de democratização do acesso desses medicamentos para a população em geral, além deles não estarem disponíveis na rede pública de saúde. É preciso apostar em políticas públicas, com a adoção de tratamentos mais modernos no SUS, para que a maioria dos cidadãos tenha condições de utilizá-los tanto para o controle da diabetes quanto para a perda de peso”.
Outro aspecto mencionado por Alessandra é a importância do uso desses medicamentos para pacientes que não conseguem emagrecer somente com controle de alimentação e mudança de estilo de vida.
“Vale lembrar que a obesidade, assim como a diabetes, é uma doença crônica recidivante, que muitas vezes não pode ser tratada somente com mudança de hábitos. Ainda precisamos evoluir muito nesse olhar, tirando a culpa do colo do paciente e entendendo que há outros fatores envolvidos, sendo a medicação uma importante aliada para ajudar na perda de peso”, conclui.
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